sexta-feira, 20 de setembro de 2024

O lenhador e a morte


Quando menino, ouvi algumas vezes essa história, que permaneceu bom tempo escondida, zanzando pelas dobras da memória. Falava de um lenhador vivente de montanha afastada, onde penava teimoso a sobreviver com esposa e filhos em meio aos desafios de uma existência paupérrima, não tão longe de pequena vila. Com saúde frágil, o homem mourejava o sustendo colhendo madeira para vender nas proximidades.

Certo dia, quando cumpria seu ritual diário de trabalho, sentiu-se por demais desanimado em face do esforço e dos poucos resultados, dobrando-se sob o feixe de lenha que transportava às costas; daí, resolveu reclamar daquela rotina:

  - Chega! Quanta dificuldade tenho cruzado. Cadê a morte que nunca me aparece? – exclamou contrafeito.

Nesse desabafo, procurou expressar a impaciência de se colocar perante a vida. Abusado, pôs o fardo na terra. Coçou a cabeça, enxugou o suor do rosto e tornou a falar:

  - Dona Morte, onde andará nessas horas, minha amiga? Bem que poderias olhar por mim – lamentou insistente, repercutindo grito sentido que se multiplicou nas quebradas sombrias do lugar.

Ajeitou-se como pôde, sentado no barranco da estrada, olhos marejados de dor. Nos pensamentos, viu passar o filme de sua caminhada desde criança. Nunca conhecera grandes alegrias. Nascera de família pobre, gemera nas mãos de patrões impiedosos. E um dia, quando novo, face desaforo cometido em defesa da honra, viera se refugiar nessas lonjuras.

Mas naquela época de velhice todas as portas pareciam ainda mais fechadas.

Morrer, solução ruim. Sabia disso como ninguém – pensou cabisbaixo. Os filhos desamparados. A mulher abandonada. A casinha sem dono. E findar... que coisa sem graça.

- Venha aqui, dona Morte! – suas palavras insistentes voltaram aos lábios, contradizendo seu sentimento.

Nessa hora, notou algo mudar no tempo. Correu vento esquisito, arrepiando, nas árvores, a ramagem, enregelando forte o espinhaço do lenhador. Na estrada, se ouviu assobio fino, carregado de mal agourento. Logo depois, figura embuçada debaixo de capuz cinzento veio se aproximado; recurvada sobre o cabo longo de rústica segadeira, a Morte arrastava os velozes pés, a levantar pó e pedra no seu passo cadenciado, sinistro.

Chegou perto do homem e foi dizendo: - Aqui estou, meu amigo. Quero, sem demora, cumprir aquilo que precisar, pois lhe ouvi o chamado.

Medo descomunal quis tomar de conta do lenhador. Nisso, ligeiro, ele tratou de responder: - Sim, agora há pouco chamei mesmo, pois percebi a senhora aqui por perto, na mata. É que quero lhe pedir o favor de me ajudar a pôr no ombro esse pesado feixe de lenha para eu vender lá embaixo na vila – e foi logo se movimentando com dita finalidade.             

 

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