segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Brejo Santo


Em dias do mês de outubro que passou, a convite de Geraldo Willian de Araújo, Secretário de Cultura e Turismo de Brejo Santo, integrei a equipe de palestrantes da I Conferência Municipal de Cultura daquela localidade.

Ocasião não poderia ser mais propícia para efetivar um retornou aonde vivi durante quatro anos, exercendo funções junto ao Banco do Brasil. No dia 27 de junho de 1967, tomaria posse como funcionário da agência de Brejo Santo e ali permaneceria até julho de 197l, quando fui transferido para a agência centro de Salvador, na Bahia.

Brejo Santo hoje representa o progresso exemplar do Cariri. Situado em área de índices pluviométricos acima da média, o município é dotado de solo favorável ao cultivo de grãos, possui fazendas de gado e indústria e comércio vicejantes, impondo sua liderança na política do Estado. Povo trabalhador e ordeiro, destaca-se pelo zelo na organização que pude testemunhar em comparação de três décadas quase de todo ausente do lugar, exceto em raras oportunidades de viagem quando por lá transitei na estrada.

Algumas avaliações se deram dentro de mim. Vi o tempo passar aos meus olhos na face de pessoas as quais nesse momento reencontrei. Dizem os filósofos que o tempo não passa. Quem passa são as coisas e as gentes, enquanto a Eternidade permanece e os entes vêm e vão, no decorrer da maré interminável das eras contínuas.

Lembrei com saudade quantas vezes percorri a distância entre Crato e aquela cidade, no auge de fase da vida cheia de ansiedade e sonhos, o período da pós-adolescência que redundava em profissionalização. Quase que permanecia pouco em Brejo, nos fins de semana. Meus pais seguiram vivendo em Crato e me impacientava de permanecer no local do trabalho. A estrada era ainda de terra. Asfalto havia até Barbalha. Naquele meio tempo, presenciei a construção dos trechos asfálticos Barbalha – Unha de Gato e a BR-116.

Nunca saiu de minha memória o dia em que cheguei para a posse no Banco. O expediente principiava às 12h30. Desde mais cedo permaneci na praça em frente da agência aguardando lhe abrissem as portas. Logo chegou um outro concursado, João Batista Carvalho de Araújo, que, como eu, também iniciaria sua jornada bancária naquela mesma tarde.

Desde Brejo Santo, acompanhei o desenrolar crítico da história das grandes transformações por que percorreu a recente humanidade. Os espasmos da juventude no mundo, a rebelião de 1968, o aceleramento das relações políticas no Brasil e a radicalização das ações militares, a Passeata dos 100 Mil, o assassinato de Robert Kennedy, Martin Luther King e Malcom X, na luta norte-americana dos direitos civis, o movimento “hippie”, o festival de Woodstock, a explosão da literatura fantástica latino-americana, o Cinema-Novo, o Tropicalismo, o exílio dos compositores da vanguarda musical brasileira, o extremismo da esquerda na guerrilha do Araguaia, The Beatles, The Rolling Stones, etc.

Numa só manhã de aparentes rotina e normalidade, espécie de cachoeira vigorosa destampou sua força na minha alma, guardados em flor os trinta longos anos de emoção acumulada na saudade de mim transposto nos acontecimentos pessoais em face de um ponto de referência inicial.

Quantos planos, tantos amores, caminhos percorridos, contradições, equívocos, a idade, a matéria, os ideais de vida, valores, grotões, pisaduras, nada melhor para dizer dos “pensamentos, demandas, propostas, necessidades e desejos da população, contribuindo para realização de um amplo diagnóstico da diversidade cultural”, conforme os objetivos da conferência registrada no programa. Grato, pois, aos seus organizadores por aquilo tudo que me permitiram no evento.

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