sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Memória afetiva


Admirável o instinto das lembranças quando querem participar das horas da gente. Chegam no mínimo que seja dos temas em volta e percorrem anos a fio, levando-nos sem querer aos mesmos lugares de sonhos e saudades que ali aconteceram, numa viagem de sobrevivência de tudo aquilo de antes experimentado. São dos mínimos sinais. Quais escondidas sob as capas do passado, elas vêm à tona, bastando só um pretexto qualquer.

Nesta quinta-feira, indo a Juazeiro e revistando os livros da Solaris, lá me deparei com uma edição elusiva ao artista plástico Carybé, argentino que viveu na Bahia na segunda metade do século. Quase sem querer, me veio de volta o tempo que passei em Salvador e trabalhava na Agência Centro do Banco do Brasil. Dentre minhas tarefas, divulgava o Cheque-Ouro entre os artistas e escritores baianos, programa dedicado a tornar conhecida a modalidade nesse segmento de destaque na cultura, entre outros.

Fiz, então, amizade com Carybé, sobremodo por quanto admirava a sua produção artística, bem disseminada em alguns prédios do centro da cidade, desse um dos quais no início da Rua Chile, defronte à Praça Castro Alves, obra de rara beleza, talhada em cimento. Sempre que precisava de resolver assuntos de depósito na agência, se dirigia ao meu setor no segundo andar e buscava meus ofícios, atendendo-o com satisfação.

Nisto, ao folhear o livro, voltaram por inteiro aqueles meus dias na Capital baiana, todo seu universo de tantas surpresas e fantasias; um tempo característico de minha vida, porquanto havia de atravessar período de lembranças fortes que levara do Cariri, dos familiares, amigos, localidades, histórias, o que hoje deparo com as marcas trazidas da época da Bahia, fazendo, dentro de mim, um festival de recordações as mais intensas. Vejam só, isto fruto de, apenas, pequeno indício do que toca minha memória de uma fase, do quanto permanecem interligados os acontecimentos através do sentimento que reúne muitos eus que me compõem, existências inteiras a bem dizer definitivas de alguma realidade sem fim que me transporta mundo afora.

(Ilustração: Héctor Carybé).

Nenhum comentário:

Postar um comentário