Admirável o instinto das lembranças quando querem participar das horas da gente. Chegam no mínimo que seja dos temas em volta e percorrem anos a fio, levando-nos sem querer aos mesmos lugares de sonhos e saudades que ali aconteceram, numa viagem de sobrevivência de tudo aquilo de antes experimentado. São dos mínimos sinais. Quais escondidas sob as capas do passado, elas vêm à tona, bastando só um pretexto qualquer.
Nesta quinta-feira, indo a Juazeiro e revistando os livros
da Solaris, lá me deparei com uma edição elusiva ao artista plástico Carybé,
argentino que viveu na Bahia na segunda metade do século. Quase sem querer, me
veio de volta o tempo que passei em Salvador e trabalhava na Agência Centro do Banco
do Brasil. Dentre minhas tarefas, divulgava o Cheque-Ouro entre os artistas e
escritores baianos, programa dedicado a tornar conhecida a modalidade nesse
segmento de destaque na cultura, entre outros.
Fiz, então, amizade com Carybé, sobremodo por quanto
admirava a sua produção artística, bem disseminada em alguns prédios do centro
da cidade, desse um dos quais no início da Rua Chile, defronte à Praça Castro Alves,
obra de rara beleza, talhada em cimento. Sempre que precisava de resolver assuntos
de depósito na agência, se dirigia ao meu setor no segundo andar e buscava meus
ofícios, atendendo-o com satisfação.
Nisto, ao folhear o livro, voltaram por inteiro aqueles meus
dias na Capital baiana, todo seu universo de tantas surpresas e fantasias; um
tempo característico de minha vida, porquanto havia de atravessar período de
lembranças fortes que levara do Cariri, dos familiares, amigos, localidades, histórias,
o que hoje deparo com as marcas trazidas da época da Bahia, fazendo, dentro de
mim, um festival de recordações as mais intensas. Vejam só, isto fruto de,
apenas, pequeno indício do que toca minha memória de uma fase, do quanto permanecem
interligados os acontecimentos através do sentimento que reúne muitos eus que
me compõem, existências inteiras a bem dizer definitivas de alguma realidade
sem fim que me transporta mundo afora.
(Ilustração: Héctor Carybé).
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