segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A força da escrita


O que faz com que alguém resolva escrever, nisso que chamam literatura, significa mais que meros gestos mecânicos ou falta de outra finalidade aos momentos que voam. Isso carrega em si algo além. Qual instinto de sobrevivência de falar consigo próprio,  representa névoas que percorrem a lembrança e impõem vontade que diga daquilo que fustiga o sentimento; de depor no tempo suas instruções; de narrar pensamentos porque mexem o íntimo da criatura, nessa fome de continuar; e reunir os demais à volta das fogueiras dos dias. Desejo quase que desnecessário, no entanto urgente, nos que escrevem.

Bem que, em tudo, persistirá uma razão. Nada de inútil prevalece, porquanto mesmo passar, de comum, fala do que há de seguir; contudo face da herança do que somos e dos que constroem a sua formação na medida dessas observações e dos detalhes. Quais primatas a braços comum com o futuro, fazem do pensamento ainda primitivo o que trazem centenas de milhares de anos depois, até o que ora somos, nesta hora de elaborar o que vem por meio do pouco que podemos construír, daquilo que utilizamos da natureza, seja a consciência ou os instrumentos outros às nossas mãos.

Tais aqueles primeiros artesões da Civilização, de igual maneira cruzamos o rio das contradições e formulamos meios novos do que nos espera. Isto de escrever, pois, transmite, uns aos outros, o formulário das vivências e algumas correções, e fornece a matéria prima do aperfeiçoamento. Quisessem ou não, compõem o quadro da Criação no modo original das vivências e lançam ao mar da Eternidade histórias em movimento. Eles que escrevem deixam, assim, rastros de coração na superfície plana do Infinito.

Um comentário:

  1. "(...) Eles que escrevem deixam, assim, rastros de coração na superfície plana do Infinito."

    Fechou a prosa com chave de ouro. Escrever — um ofício nobre, quanto mais quando as palavras vêm de reflexões inefáveis, que traduzem em instantes lampejos do infinito.

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