segunda-feira, 1 de março de 2021

Meus primeiros heróis


Desde cedo que Tia Vanice falava conosco em Jesus; contava sua história e ensinava as orações que compõem o Terço, isso bem lá na primeira infância. Senti logo em Jesus a presença viva do herói, que significa modelo de tocar os caminhos da experiência humana neste chão e encontrar resposta lúcida e consistente. Depois de algumas décadas, mesmo que distante daquelas primeiras orientações religiosas, retornaria ao modelo cristão na idade adulta e hoje o mantenho constante. 

Nesse meio tempo, outras presenças me vieram através do chamamento das culturas. Conheceria literatura de cordel nos folhetos que os operários de meu pai adquiriam nas feiras do Crato. Surgia nas minhas identificações afetivas personagens tais José de Sousa Leão, Os doze pares de França, Lampião, João Grilo, Pedro Malasartes, Ricardo Coração de Leão, dentre outros. Daí seria apenas um pulo até os contos de fadas, quando me depararia com Robin Hood (um herói folgazão que desafiava o reino da Inglaterra), Aladim e Lâmpada Maravilhosa, o Ladrão de Bagdá e vários outros dos componentes das Mil e Uma Noites. 

No andamento dessas leituras, viveria o booom agressivo da cultura de massa dos anos do pós-Segunda Guerra. Meus pais guardaram os números das Seleções do Reader’s Digest e seus registros dos principais episódios do conflito. Lia a valer esse material. Outro universo bem diferente da vida no interior, um mundo a parte. Até que chegaram às minhas mãos as revistas em quadrinhos, verdadeiro fascínio da adolescência. 

Seriam os principais personagens dessa fase os mocinhos do cinema que imperavam também nos desenhos e seus balões bem produzidos, uma febre nas portas dos cinemas, onde a gente permutava, comprava, vendia exemplares das aventuras do Príncipe Valente, Roy Rogers, Hopalong Cassidy, Flash Gordon, Tarzan, Zorro (não o Zorro mexicano depois trazido pela televisão, mas Zorro do Oeste americano e seu amigo Tonto), e também Robin Hood, Bill the Kid, Jesse James, Gene Autry, Durango Kid, Buffalo Bill; uma extensão dos filmes, que víamos com atraso de dois, três anos das capitais, e dos seriados de duas da tarde no Cine Cassino. Viagens incríveis, pois, através das criações vindas dos Estados Unidos, que invadiram o País inteiro, cheias de nomes esquisitos e feições diferentes da do brasileiro típico. Havia naquilo espécie de reverência velada aos heróis da Grande Guerra, capitaneados que foram pelos americanos à frente dos exércitos aliados. Mais na frente, vieram Super-Homem, Capitão América, Homem Aranha, Hulk, Batman, nas vertentes da Marvel e da DC, isto já pelos inícios da idade adulta. Mesmo assim ainda persistiriam por bom tempo a preencher minhas atenções, tanto que, em Salvador, na década de 70, no Curso de Comunicação, abordaria os quadrinhos em trabalho da disciplina Introdução à Comunicação, ministrada pelo professor Florisvaldo Matos, que admirou meu interesse pelos comics.  

Juntamente com a religião e os cordéis, as revistas em quadrinhos foram minhas primeiras abordagens do mito do herói, depois acrescidas de mergulhos aprofundados na literatura tradicional.


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