sábado, 16 de janeiro de 2021

Há um céu na fome de escrever


No ato de escrever, primeiro vêm os sentimentos, que transformados em pensamentos chegam às palavras. Nesse percurso, sentimentos, pensamentos e palavras se deparam com universos novos quais desertos antes virgens, a serem cruzados nesse afã de romper o mistério das impossibilidades e querer sobreviver ao movimento de coisas e pessoas lá distantes. Nalgumas vezes, de forma sombria; noutras, no entanto, menos drásticas, alegres, pois, a permitir participação dos estados de espírito de quem escreve. São desejos feitos matéria, porém ainda no estado bruto da solidão. Eles batem muitas portas da inexistência. Forçam o silêncio a que mostre o segredo que conduz no farnel das ausências que leva consigo. Querem abrir, a todo custo, frestas na inexistência; pedem, imploram, mendigam às estradas...

Depois de tudo, desaparecem no limbo das noites, folhas secas, flores ao vento, nuvens desfeitas, pássaros dos fins de tarde; marcas, cicatrizes, sinais... Só puro exercício da fala deitada fora que virou luzes de arrebol, saudades persistentes, dores de outros partos, calma no tempo e nas vidas guardadas junto da memória fria dos papeis.

As palavras valem tais acordes das músicas na pauta que enchem de sabor as estantes eternas. Fome que passa e volta. Vontade mecânica de contar da alma aquilo de dentro, ato de transmitir ao texto o que faz de nada um tudo, e logo revive na métrica os códigos da presença e do furor das criaturas que vão embora todo dia.

Sujeito vir noutras línguas pessoas perdidas nos mares e nos ares, fagulhas, meros trastes e escombros... Chegam e somem, criadoras de palavras que denunciam, insistem, afagam; animais inesperados de vícios e virtudes que carregam consigo a sorte do desespero e da felicidade, contudo meros segmentos de histórias largadas às ondas e aos gestos. 

Foram e serão réstias dos passos dos andarilhos de outras terras, precursores de novas esperanças, ilustradores de livros e fábulas, senhores das velhas recordações do que o Tempo devorou dos próprios filhos. A isso, a buscar compreensão, trabalham os que transmitem aos altares o credo das palavras, os seus autores.


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