02 de fevereiro de 1977. Passávamos dias numa praia na Ilha de Itaparica, no Recôncavo Baiano, defronte a Salvador. Em redor de Itaparica existem dezenas de praias e vilas, além da cidade de Itaparica. Estávamos numa casa nas imediações de Manguinhos, vila próxima a Mar Grande, onde João Baptista Reimão Neto, um amigo de São Paulo, me convidara a trabalhar na revisão de um livro que concluía; e permanecêramos durante duas semanas no local. Naquela tarde de 02 de fevereiro, Dia de Iemanjá, alguns habitantes da localidade ligados ao candomblé prepararam presente ao orixá e nos convidaram a ir de saveiro com eles até o meio da Bahia de Todos os Santos, e depositar em águas profundas a sagrada oferenda.
Sempre munido da máquina fotográfica, me alojei num dos lados da embarcação superlotada de gente trajando indumentárias próprias, onde se destacavam vestidos brancos rendados, torsos e outros adereços da cultura afro-brasileira, isto entre milhares de ramalhetes de flores brancas do mais agradável perfume, enquanto ouvíamos batuque de tambores e os cânticos dedicados à Rainha do Mar.
Seguimos mar adentro em tarde nublada, fria, levados pelas velas a correr sobre as ondas agitadas do oceano. Águas batiam firmes no corpo da embarcação em nível não mais do que quatro dedos para chegar ao interior onde nos achávamos sentados de costas apoiadas nas bordas do barco pesqueiro a deslizar o leito encapelado e profundo das águas.
Lembro bem a emoção que me percorreu todo tempo, sustentada no ritmo dos instrumentos que se confundia com o palpitar aflito do coração embalado no misticismo daquele instante raro de beleza, no fervor da missão conduzida por babalorixá sob as influências do santo, enquanto respirávamos cheiro inebriante das plantas que também compunham o presente lá em seguida entregue a quem de direito com os ritos do ofício.
Guardei comigo a singularidade ora descrita, que busquei descrever de melhor modo, porém certo das limitações em revelar o suficiente da plasticidade e do mistério da cena inesquecível.
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