quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Transformações

Hoje achei de recordar quando, em l959, fui a Recife pela primeira vez. Crato, Campina Grande, passando pelo açude de Coremas, e chegamos à capital pernambucana, num salto tecnológico secular, levando-se em conta os benefícios da energia elétrica, que avançava célere sobre o Nordeste. Adeus às tochas e lampiões do passado. 

A civilização desvendara os encravados sertanejos, modificando tudo, desde paisagem e costumes dos habitantes, ao Sol que agora nascia dentre torres metálicas, campanários exóticos onde se penduraram as redes dos cabos prateados, interrompendo pássaros, reflorestando carrascos e massapês.

Os tentáculos do progresso zumbiam nos leitos secos de grotões desolados, algo parecido com a chegada do trem-de-ferro, no início do século, trazendo promessas de alteração do ambiente, para possibilitar, segundo as crenças, uma qualidade melhor de vida.

Lembro-me disso quando reencontro as mesmas torres nos filmes japoneses que os meninos gostam de ver num dos canais da televisão, cenas que se repetem todo dia, produções parecidas com embalagens de supermercado, de sabores químicos - para consumo brando, num pesadelo que podia ainda ser revisto; voragem moderna versus simplicidade original.

A era massificadora se estabeleceu através desses fios, resultado das muitas conquistas humanas. Poderosos repartiram despojos, sob razões de lucro, transferindo percalços em favor da perpetuação no poder (desculpa esfarrapada para justificar a ausência de critérios éticos).

Isso nos motiva transcrever, neste ponto, pedaço de um artigo da revista Planeta (março de l992) sobre os índios hopis do Novo México, Estados Unidos:

- As grandes potências do mundo devem entender que, se querem escapar da destruição iminente - palavras de Martin Gashweseoma, o líder espiritual daquela nação indígena. - Tudo que fizeram de errado com os povos antigos (...) deve ser corrigido. 

A demora da avestruz com a cabeça na areia pode lhe ter afetado os miolos. E o que ocorreu, então, se reflete nas coisas que vem de gerar. As armas e os eletrodomésticos se sofisticaram, porém inúteis ou inconvenientes, no crivo do tudo ou nada dessa luta constante.

Para Gashweseoma, chegou à hora da purificação, quando os terrícolas deverão escolher uma entre duas saídas - seguir no mesmo passo equivocado em que vêm, até à destruição, ou mudar de propósitos e se conduzir numa perspectiva renovadora.

O esforço exclusivista dos menos escrupulosos ocasionou retrocesso evolutivo. No princípio, chegava a parecer diferente. As naves espaciais, difundidas pela propaganda, fizeram brinquedo de lata dos destinos africanos, latino-americanos, asiáticos, sem que ninguém pudesse questionar o sistema neofeudal estabelecido na Terra contemporânea.

Espécie de vaidade prevaleceu entre patrões e seus escriturários, enquanto longa marcha de forçados transportava matérias-primas e produtos acabados, que nada mais tentador do que se comparar à construção das grandes pirâmides, destinadas a sarcófagos reais, marca do cruel egoísmo reeditado no tempo, milênios adiante.

E se lembrar de que René Descartes, já no século XVII, centrava suas preocupações nos assuntos internos; que poderíamos haver seguido outros caminhos; que há uma pequena glândula no cérebro na qual a alma exerce as suas funções de modo mais particular do que nas outras partes. Eis detalhe importante para se examinar, ainda que depois.

A oportunidade das eras ficou para trás, recoberta de limo e infinitos tropeços, qual botija enterrada em lugar inacessível. Restam-nos, todavia, os individuais propósitos dessas revelações íntimas, o Espírito eterno, que persistirá mesmo quando tudo for embora e as oferendas coletivas virarem ilusão. Este momento (sim, o momento) é hoje.

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