O que pretendo dizer com estas palavras nem mesmo eu ainda sei, no ditado das coisas e filosofias de meio de noites claras e luas deslizando no azul do céu, mar da cena cá de dentro. Quantas imagens se formaram e escorrem na ponta dos dedos, somente.
Pensar que dá nisso viver e esperar sinais a cada capucho de nuvem molhada... Uma busca que persiste nas paredes infinitas, corcéis galopantes.
Ah! Tempo sem palavra, movido só de emoções, sentimentos. Contar histórias da solidão agressiva que corre quente através dos becos escuros da alma, veias abertas, abalos nascidos na razão direta das pessoas, consigo e com as outras.
Depois, sono voraz atiça o foco da memória, jato rude a desvendar sortilégios, trilhos e vagas enormes, doces sonhos que algum dragão sonha e persegue rastros de vento mordente nas horas escorregadias do furor das madrugadas ausentes.
Saltos vadios de tons alaranjados e sinfonias, pouco caso de tudo por tudo perdido no apego a solitários portos. Jamais saber do sentido apenas aparente das lâminas afiadas, reais, nas cercas espalhadas e as cascas dos pequizeiros vetustos retorcidas nas várzeas.
Quantas espécies de imagens escondidas nas prateleiras das lojas fechadas. Fosse mais simples e carrilhões soariam cortando o silêncio feitos dobrões de prata batendo entre si, nos bisacos das feiras, diante de versos úteis, calados nas bocas contritas de beatos tontos de fé, quase mudos. Delírios espasmódicos. Monges enfileirados à hora do ângelus. Cheiro de incenso pelo ar, longe, espirais alongadas, douradas de estio. Ânsias de paixão cobrem túnicas desbotadas, novelos coloridos em cadentes pelotões amarfanhados e nus. Procissão indiferente de heróis envilecidos. Novos pagãos afinal repousam, cruzadas derrotas sucessivas nas batalhas esquecidas.
Nesse momento, hordas bárbaras invadem o mosteiro abandonado e jogam lá de cima blocos secos de palavras carcomidas de dentes mofados, num eco propício que retém sórdidos poderes. Murchos ao mínimo, os espaços deixados, no brilho do inverno generoso, prisioneiros, camponeses, espantalhos rústicos, cobrem a face com flores suaves, abertas no campo há pouco ressequido, durante a fase em que repousava o lenço da saudade nas mãos macias do desejo, antevéspera das costumeiras despedidas.
Houve um tempo, em torno de três quatro décadas atrás, quando ainda não existia o asfalto que hoje recobre as estradas do Grangeiro e do Serrano, que fina areia branca impregnava o clima fértil dos bosques em volta dos canaviais, domínio das encostas do sopé tropical da Serra, nos arredores do Crato. Poucos levaram a sério contas dos riscos daquilo corrosivo, dominador que perseguiu lares e praças na idade negra..
Ninguém avaliava os ninhos seguintes dos pássaros. Cânticos, porém, restaram roucos para sempre, adoçados no visgo melado, vazio, de engenhos que sumiram aos montes. Outrossim, portas e janelas se abriram em forma de postes e bueiros, depondo nos riachos os detritos das caixas de rapaduras desfeitas na bruma tosca do desalento.
Mangas rosa, contudo, ainda trescalam o aroma das delícias em cores de aurora, nas mãos encardidas dos moleques. Passados dois séculos e a lenda do frade do Lameiro integra-se no imaginário do povo. Tesouros encantados, com isso, talvez, permaneçam encobertos nas frondes sombrias das árvores, debaixo de sete capas, nas pedras e nos lajedos próximos de nós que ora habitamos, neste chão dadivoso.
(Foto: BBC natureza).
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