Logo cedo, de
espingarda em punho, o caboclo entrou na mata à busca da mistura do dia para as
refeições da família. Andou muito e nada achou que atendesse o objetivo. De
mãos abanando, desanimado, retornava ao casebre, quando avistou bela cabra a
lhe cruzar o caminho. Sabia ser de um dos vizinhos, seu compadre, dono de muito
bicho, que os vinha aumentando com facilidade. Coçou a cabeça, mediu as consequências
e viu justiça no ato que planejava em nome dos filhos que precisavam urgentemente
sobreviver.
Auscultou as
imediações, se viu distante, solitário: a
ocasião faz o ladrão, o povo diz, enquanto o isolamento propiciou a
impunidade. Armou o gatilho e derrubou a marrã de criação. Arrastou-a para o
mato; tirou o couro; partiu os ossos e a carne; desfez as possíveis pistas.
Quando chegou em casa, vinha consigo, às costas suadas, o alimento de duas
semanas, ou mais.
Dias transcorreram sem
ser descoberto. O caçador parecia, no entanto, pouco confortável dentro dele próprio,
dado o ato que praticara. Vivia sério,
sem graça, pelos cantos; de honesto, acordava no meio da noite empapado de suor
frio, amargando pesadelos. A coisa tendia ao agravamento. Perdera-se sob as
tenazes do remorso; sumira o patrimônio das velhas alegrias de viver.
De alma presa, bela
manhã, resolveu se confessar. Procurou o vigário da freguesia e contou em todos
os detalhes a história do delito de haver morto a cabra do compadre. Atencioso,
o sacerdote ouviu a história, refletiu durante alguns minutos e disse:
- O senhor agiu de uma
forma vergonhosa. Fez o que nunca deveria ter feito, querendo se beneficiar com
aquilo. Desse jeito, para limpar o erro que cometeu, irá procurar seu vizinho e
esclarecer o assunto, dizendo a ele que pagará o animal morto quando possuir
recurso.
- Mas, padre, trabalhando
desse modo, vou passar por desonesto - explicou contrariado o sertanejo. - Isso
fica muito ruim para quem criou fama de homem sério como eu sou no meu lugar.
Deve haver outra maneira de resolver – acrescentou o matuto.
- Meu filho, não vejo
nada mais simples do que pagar a penitência – avisou o sacerdote. - Pois não cuidando
agora, quando chegar o Dia do Juízo, lá vão comparecer, na presença dos santos,
o senhor, seu compadre e a cabra que matou, o que ficará ainda mais
constrangedor.
Nesse momento, ecoou
no interior da igreja sonora gargalhada do caboclo, que em seguida foi dizendo:
- Ah, padre, agora
compreendi suas palavras e o que devo fazer. Visto o que falou, reverendo, quando
a cabra reaparecer inteirinha, viva, no Juízo Final, nessa hora, então, eu pego
ela e devolvo ao dono, meu vizinho, ficando tudo resolvido sem maiores
prejuízos. - E nisso se retirou cheio de felicidade pela solução do seu drama
de consciência.
Obs.: História que ouvi de Benvindo
Melo.
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