sábado, 28 de setembro de 2013

Abençoada liberdade

No Dilúvio, quando Noé recebeu a atribuição de construir a arca e esperar que chovesse o tanto de cobrir a Terra, por certo jamais imaginara vir ser escolhido naquela missão tão importante. Porém nunca duvidou, a despeito da polêmica motivada pelo assunto. Transformou fraqueza em força, animou a parentela ao trabalho, reuniu animais e acreditou (sobretudo), e ainda hoje imaginamos como pôde o engenho humano participar com tamanha envergadura na luta da sobrevivência.

A nós não compete julgar, como também não cabe duvidar que exista o Poder, fonte irradiadora de vida, função máxima do Ser, que provas por si só determinam quando muito até que ponto nossa compreensão é limitada nas razões da Eternidade.

O gesto de escrever permite, no entanto, deixar que o papel lance o sonho nas planícies do inatingível, aonde reunir ficção e elaborar ferramentas de fechar contatos e acender consciências. Mas o espaço tem de ser preenchido a todo custo, catando letras, sílabas, palavras, frases, pretexto de alguém nos acompanhar na montagem da cena do dizer.

Isto, todavia, não é bastante para que observar o trilho ininterrupto da história, perdidos que, por vezes, somos nos melhores propósitos, presas fáceis de manias, começos abandonados, fitas, velas, a confundir espelho com fotografia. (O espelho inverte a imagem, equivoca, troca os lados de nossa cara, enganando, remetendo de volta à caverna de onde saíramos um belo dia; pura irrealidade que se instala; ilusão que tritura tempo e seca de cair do pé, raias da imbecilidade).

Temos de perceber essa fórmula mágica da autotransformação, independente de esperar horas mais propositadas. Noés de hoje, alertemo-nos ligados através das parabólicas invisíveis, pois de algum lugar sopra o vento libertador. E a fantasia quase gastou todos os filmes de ação, muita superprodução sem que ainda sejamos heróis além dos banheiros, quintais, churrasqueiras, castelos, confeitarias, arquibancadas vazias, nada além de l5 minutos.

Nesse girar de pneus, rastros e calendários, estômagos secos e bocas amargas, robôs fora de uso. Estacionemos um pouco e sintamos a presença da luz que em cada criatura move a vontade entre faixas, flores, sorrisos, estágios da semente original.

Nuvens e naves riscam o tapete silencioso das estrelas ainda molhadas do frio da noite, quando os animais dormiam obedientes no Paraíso. E insisto em perguntar:

- Quanto falta ainda para outra vez nascer o Sol?...

(Foto: Jackson Bola Bantim).

Um comentário:

  1. Mais é claro que o sol vai nascer amanhã...” nestes tempos de altos níveis de tecnologias chegamos a duvidar da capacidade e sensibilidade das pessoas de amar e de viver de forma simples e a valorizar as coisas pequenas que dão sentido a nossa vida. É sempre bom ler os seus textos e que como este é de certa forma atemporal, fator presente nos grandes escritores. Um abraço amigo Emerson.

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