Na
época das sessões das quatro dos Cines Cassino e Moderno, imaginar o dia em que
pudéssemos alugar fitas, ou DVDs, e trazer em casa isso nada mais seria do que
sonho fantasioso, coisa de mentes férteis tipo Júlio Verne, o modelo de ficção
daquela época, anos 60 e 70, não tão distantes assim, mas que o tempo encobriu
sob as cinzas televisivas do mau gosto das novelas.
Hoje,
contudo, ficou rotineiro passar numa locadora e escolher, entre milhares, os
filmes de preferência e levá-los para assistir em casa, numa mágica propiciada
pela tecnologia, chance de conhecer obras raras dos melhores diretores, o que
ocorria apenas por coincidência de oportunidades, no passado.
Quem
curte o cinema de autor, jeito como
denominam os filmes de arte, por exemplo, pode bem usufruir as criações dos
diretores excepcionais, aqueles que utilizam com maestria a linguagem sob
preocupações estéticas de refinado gosto.
Desses,
merecem destaque alguns nomes: Ingmar Bergman, Louis Buñuel, François Truffaut,
Michelangelo Antonioni, Vitório de Sica, Pier Paolo Pasolini, Jean Luc Godard,
Glauber Rocha, Frederico Fellini e Akira Kurosawa, numa amostra rápida.
É
a propósito desse derradeiro diretor que queremos agora tecer algumas
considerações: Akira Kurosawa estreou no cinema em 1942, com o filme Sugata Sanchiro. Conhecido no Ocidente
através de Rashomon, com que ele
ganhou o Leão de Ouro, no Festival de Veneza de 1951. Recebeu também um Leão de
Prata, por Os Sete Samurais, a Palma
de Ouro, do Festival de Cannes, por Kagemusha,
a Sombra do Samurai; dois Oscars, também por Rashomon e por Dersu Uzala,
outra obra prima; e mais um prêmio especial da Academia, que lhe foi conferido
em 1990, por dois admiradores declarados - os cineastas Steven Spielberg e
George Lucas.
Ao
longo de sua carreira, tanto nos filmes de época (histórias de samurais),
quanto nos que se desenrolam no Japão contemporâneo, o cinema de Kurosawa visa
o desenvolvimento de uma consciência individual, o que um crítico, Donald
Ritchie, chama de descoberta ou revelação
da personalidade.
Kurosawa
em momento algum renega suas origens japonesas, mas também aprecia o faroeste
americano e a literatura russa clássica, de Máximo Gorki e Dostoievski, os
quais, junto de Shakespeare (Trono
Machado de Sangue, baseado em Macbeth,
e Ran, adaptado de Rei Lear), acham-se entre os autores que
adaptou para a tela.
Porém
há um filme de Kurosawa que consideramos seu trabalho modelo, Sonhos, encontrado nas locadoras
caririenses, onde narra oito histórias de sonhos pessoais, numa interpretação
fílmica da rara beleza plástica, inesquecíveis aos que se dispuserem conhecer.
Criador torturado pela forma e, por isso, quase sempre insatisfeito com o que
produzia, chegou a afirmar: A perfeição é
impossível, e seguiu pelejando para realizar o filme ideal. Seus trabalhos
podem não raiar o absoluto perfeito, mas se acham entre o que de mais belo e
denso existe no cinema de todos os tempos.
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