Era no tempo das
chuvas. Fazia alguns meses que os dois noviços viajavam através das planuras
exóticas da Índia. Desse jeito, cumpriam à risca os votos de piedade admitidos
perante o Mestre. Para sobreviver, haveriam de esmolar no exercício da firme
devoção. Conversar entre si e com os outros, quase nada; tão só austeridade, o
imprescindível, nas horas de caminhada; leis de religião.
Uma manhã, quando
chegavam às margens de um rio caudaloso, viram bela jovem querendo cruzar as
águas tormentosas que desciam das montanhas, todavia sem coragem suficiente de
realizar o propósito.
Perante aquilo,
atencioso, um dos noviços se dispôs a prestar-lhe auxílio, carregando-a nos
braços até a outra margem. De imediato, com isso mereceu do parceiro reprimenda
cuidadosa, porquanto os preceitos restringiam aos monges maior aproximação do
corpo feminino, analisava contrito e zeloso.
Vista a momentânea
necessidade da moça, no entanto, o religioso insistira em ser útil, dispondo-se
a levá-la consigo, fazendo-o apenas de maneira prudente, nos moldes das ações
solidárias.
Vencida a
correnteza, eles dois se despediram da jovem agradecida e seguiram a piedosa
jornada de antes.
Horas depois
daquela cena à beira d’água e o outro noviço, de calado que se mostrava,
carrancudo retornou ao assunto de aproximar o corpo do das mulheres.
- Tu agiste de
jeito equivocado – disse. - Um devoto cumpridor dos deveres jamais caberia no
papel mundano que desempenhaste. Sabes bem que se torna impuro quem trabalha em
desacordo com os cânones – externava indócil a indignação de horas atrás.
Absorto nas
meditações de ofício, ouvia o devoto silencioso a censura, querendo, contudo,
tirar por menos, e logo se justificava o tanto que conseguia. Disse haver
laborado sem quaisquer intenções malévolas, além do que se protegera ao máximo
das idéias pecaminosas. Nada de ruim acontecera consigo, portanto, no que
pesasse os riscos previstos.
Volta e meia, o
outro repisava a conversa:
- As oportunidades
se apresentam no caminho a fim de podermos distinguir o que manda e o que não
manda a Lei. Fiques, pois, sabendo que nunca deverias fazer como fizeste.
No que
considerassem as reações cautelosas do acusado, repetiam-se admoestações...
Quase ao
pôr-do-sol, de saco cheio com a impertinência do companheiro da estrada, o
noviço resolveu cortar pelo tronco a história que ia longe demais.
- A jovem que transportei no rio saiu de minha cabeça naquela hora em que
desceu dos meus braços – asseverou veemente. - De tua parte, porém, deu-se o
contrário, e ainda agora vens com ela no pensamento. A prosseguir na
insistência, vou deduzir o quanto desejarias tê-la estreitado em teu próprio
corpo, creio eu – concluindo de todo a lição.
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