Quero falar dessa
mania que a gente tem de querer encobrir o Sol com peneira. Veem-se os menores
abandonados rondando nas madrugadas, escondidos da penúria e do gelo da brisa
que sopra cortante, e tome desculpa à consciência, lente exigente dentro da
alma. Anciões jogados às calçadas da multidão indiferente, dormindo, ou
embriagados de realidade; e calma, calma, que o leão é manso, e as autoridades
competentes resolverão logo o caso dessas pessoas. Crianças em idade escolar,
perto das filas das farmácias e lotéricas, de mãos estendidas, pedintes da
injustiça social, e seleciona moedas menores, deixando caí-las nas mãos
desenganadas, juntando migalhas que gastam nos salgados e doces, vazios
alimentos de vazias soluções individuais.
Houve um tempo, quando
falaram de Estado Novo, Prá Frente, Brasil, Diretas Já, Nova República, Brasil
Grande, Povo no Poder, lemas assim, frases de efeito, mudança, renovação,
socialismo, euforia generalizada nas instituições que revisariam seus quadros
nas eleições. Quase tudo dorme a sono solto. Promessas vagas de sonhos ainda circulam
as planícies das cabeças em festa democrática, saudades das revoluções
verdadeiras.
O tropel desfila nos
corredores dos palácios em forma de fantasmas de erros largados nas ruas da
amargura, jovens presos, viciados em droga no pleno do vigor físico, idade
cheia infinitas vezes na seiva da Civilização, vendidos ao trato da justiça dos
homens, matéria prima de penitenciárias infectas, nesse mundo de fria inteligência
tecnológica, sedentos de segurança inexistente nas malhas da Eternidade.
Olhos abertos aos
painéis dessa fama, artistas da mídia efervescente, deuses do Olimpo da
contemporaneidade, vagueiam soltos nas mesas dos diretores de televisão, bichos
de cargas expostos à execração pública, devido aos pecados contra a família, no
pino do horário nobre dessa máquina de fazer alienados.
Os desmandos da
história criada pelos fabricantes de ilusões, mercados abertos da fome de
valores que transformassem o desejo de construir as chances da igualdade para
todos, cidadãos de olhos arregalados nas flores da agonia de viver e ser feliz,
ao encalço das bocas de feras desconhecidas, cevadas em bolsas financeiras,
famintos aplicadores na roleta da dominação industrializada.
Ah, contradições de
contradição, paraísos artificiais na caminhada solitária de seres limitados ao
tempo da curta duração dos dias, sem amor e vontade que acordem cedo e durmam
tarde, peixes egoístas presos nas redes que trituram autores de obras
imaginárias, amantes de si mesmos e projetos futuros da felicidade, na
elaboração do Destino misterioso. Amanhã.
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