quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

A linguagem dos sinos

Lembrei o título de um dos livros que li na adolescência, Por quem os sinos dobram?, do autor norte-americano Ernest Hemingway, em referência a poema do poeta inglês John Donne: Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti. E nisso conversávamos a propósito da linguagem que os sinos oferecem, Padre Teodósio, Heitor, Huberto (Bebeto) e eu. A linguagem dos sinos, que contam dos motivos a que dizem respeito nas suas tocadas. Falam de anjinhos que partem, das pessoas, até a distinguir mulheres e homens que seguem também na mesma direção. Os bons sineiros quase sumiram na voragem dos tempos. Raros, no entanto, ainda persistem.

Na ocasião, Padre Teodósio contou ocorrência de que ouvira falar. Arneiroz, século XIX. O sino da matriz insistia bater já tarde, nalgumas noites, sem contar com vivalma que os movimentassem. O povo do lugar transtornava altas horas, a cogitar das almas penadas, tais assim. A história ganhava corpo. Quando menos esperavam, lá dispararam os rumores de medo das ocorrências.

Qual nos lugares de sempre, lá um dia apareceu sujeito destemido que tomou para si resolver o assunto. Espera que espera, numa noite escura do interior, de novo o badalar do sino da igreja. Munido de rijo porrete, o valente busca aproximação da torre, a que subiam por fora do templo e, pé ante pé, chega ao campanário. 

Quem? Dois bodes, agarrando nos dentes a corda do sino, mastigavam com fome e vontade a fibra, querendo aproveitar e disso tirar a ração. 

Mais calmo e vitorioso, o herói gritou pela população aterrorizada, convidando a conhecer os autores das peripécias que duraram bom tempo. Eles subiam afoitos a escadaria de pedra e galgavam o interior da torre, de onde exercitam o ofício de sineiro, a produzir os sinais sonoros que, plangentes,  despertavam o silêncio noturno da cidade.  

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