quarta-feira, 8 de abril de 2015

O perfume e a flor

Em um reino distante, na voragem infinita de longínquas lendas, existiu belo casal, o Perfume e a Flor, que se gostavam como nunca antes duas criaturas puderam a tanto sentimento chegar. Eles nutriam entre si afeto inigualável. A satisfação maior de suas vidas ocorria no retorno ao lar de paz, quando cumpriam os ofícios das horas de obrigação e trabalho.

Sabiam como ninguém o gosto um do outro, laborando com alegria no melhor jeito de se agradarem. Felizes olhavam-se nos olhos e nutriam a doce harmonia de quem descobre a pessoa certa, ideal de viver perto, formando par perfeito, ainda que cercados das indefinições típicas a que se sujeitam aquelas pessoas solitárias, descrentes.

Ao par de amantes apenas uma coisa causava preocupação: O que seria deles na vez de sumirem deste mundo e desaparecer nas sombras desconhecidas, de largarem seus corpos bem ajustados e voltar ao transe dos séculos? Ainda ver-se-iam de novo? Quando? Onde? Como? Ou tudo terminaria no suspiro final da inexistência?

Aquilo marcava de névoa seus passos, fonte de angústias e apreensão, fantasmas teimosos, resistentes, insolentes.

Certa feita, durante um sonho, eles dois se encontraram dentro de imensa floresta de seculares arbustos, diante de santuário esplendoroso, envolto nas raízes e nos troncos musgosos de parte do mundo misterioso das plagas eterna, domínios do Amor. 

Naquela hora, perceberam que chegava a resposta das perguntas que lhes empanavam o futuro, e entregaram-se, de mãos unidas, ao prazer indizível da vista de Eros abençoando-os a dizer:

- O sonho de andar sempre junto é possível. A sinceridade que os domina produzirá esse milagre – ouviram a voz e se jogaram ao solo, lívidos de uma emoção profunda. 

Despertados, na manhã seguinte, as primeiras palavras que trocaram confirmavam a realidade do sonho da véspera com a deusa-mãe. 

Moravam afastados, em casinha humilde, próxima das plantações que os mantinham. Raras vezes avistavam as pessoas de pequena vila próxima.

Quando, então, chuvas se intensificaram de verdade, rios encheram, lagoas inundaram o vale e subiram nos montes. Viram poderes de acontecimentos impossíveis a tomarem conta de tudo, em forma de incontrolável destruição dos objetos palpáveis.

A casinhola, decerto, também não resistiria ao fenômeno incessante das chuvas torrenciais. Os raios do Sol de há muito sumiam sobre nuvens escuras.

Então, abraçaram-se frementes numa atitude derradeira; e agarrados permaneceram e soçobraram nas ondas lamacentas que engolfavam a superfície da Terra... 

Algumas semanas passaram na mais completa calma. O chão principiava a mostrar o rosto, quando, no mesmo lugar onde houvera a choupana do casal, os primeiros claros da Lua iluminaram uma flor perfumada, destacada no meio do bosque verdoso. 

Linda rosa vermelha espargia ao vento raro fragor, enquanto vulto suave reunia-se-lhe ao corpo na figura etérea do olfato. Eram os dois, agora ente único, transformados em visão e cheiro, imagem inefável reanimada ao encontro dos que dali se aproximassem para admirar a beleza e o perfume floridos.

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