quinta-feira, 1 de junho de 2023

Sonhos ambulantes


Belo dia desses, de sol intenso e sons de natureza e multidões aguerridas marcham à busca de realizar as ideias vindas desde sempre à consciência; decidem seguir os sonhos alimentados pelos séculos da solidão individual. De armas em punho, instrumentos outros de consecução pessoal, livros, lenços, gravatas, arados, animais, transportes, automóveis reluzentes, distendem a fome de viver em mil pequenos fragmentos os quais largam nas estradas. Sabem que querem isso, aquilo, posses, fama, prestígio social, poder, beleza, paixões, apetites, lassidão e furor. Guardam na alma o desejo fantasioso de que, nalgum momento, talvez, fugirá da morte, nesse jogo de claro escuro em que vivem, tais o personagem de O sétimo selo, de Bergman, que desafiou a ingrata dos mares numa partida de xadrez... e venceu. São eles, os ambulantes vadios dos sonhos que nutrem a ferro e fogo as dobras da sofreguidão.

Eles, seres conhecidos de todos, que acordam cedo, banham o rosto, se repastam às pressas e saem fantasmagóricos no sentido da procura, de transformar o sem nexo em algum. Tais assim quais quem busca aonde chegar, pesquisam nos mapas eletrônicos, experimentam  as funções de que dispõem. Criam vasto universo interno, propriedade exclusiva dos seres humanos; trabalham com afinco o elã de rever as vitórias dos antigos na mesma qualidade duvidosa. Daí, surgem nas lutas inglórias de irmão contra irmão, humanos versus humanos, reprise grosseira das tardes insólitas do Inferno; e deitam laços cruéis sobre os escombros de que também fazem parte.

Nem sabemos que sonhamos, ou somos sonhados, pelos bruxos das florestas noturnas, horas essas de reconsiderar a que viemos, o motivo de estar aqui e a razão fundamental de sonhar, que seja isso apenas. O amor, portanto, só ele justifica o horizonte das quantas vidas ora em movimento. Os outros fatores serão causas perdidas e pesadelos inúteis. Elevar aos planos da Esperança o instinto de construir uma história nova e fazer valer a inteligência nos melhores ideais, eis o princípio de tudo, afinal.

(Ilustração: O sétimo selo, de Ingmar Bergman).

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