quarta-feira, 7 de junho de 2023

Revolução


A madrugada ia alta quando o 23.º Batalhão, estacionado em Sousa, mantenedor da legalidade na fronteira da Paraíba com o Ceará face às movimentações da Revolução de 1930, teve sua aparente calma rompida pela aproximação de um automóvel que trazia as definições do conflito. Logo na chegada, parando o veículo, Juarez se dirigiu à sentinela, transmitindo ordens para o oficial da guarda.

- O batalhão se acha rendido, quero disso assegurar - foi dizendo. - E avisem ao comandante que vim receber o posto; espero urgente resposta. A guarnição deverá, pois, obedecer às minhas determinações.

Sem demora, aquela mensagem seguiu até a casa do comando, na praça ao centro da povoação. Bem nesse instante, frio metálico percorreu a espinha dos combatentes, qual rastilho de pólvora, enquanto friagem cortante ritualizava as bordas do alvorecer sertanejo. Era a gravidade do momento em via de solução, após dias angustiados de espera.

Despertos no roldão da tempestade, os militares agiram rápidos a compor o fardamento, meio tontos de sono passado, corpos oscilantes, envoltos no clarão fumacento das lamparinas dependuradas no teto. Agitação desconformada estonteava os homens.     

Na sala de visitas, o titular da tropa, olhos baixos, semblante grave, refletia o extremo da situação. Reunira todos; impunha-se uma decisão frontal: entregar armas, apanágio dos guerreiros, ou ao máximo resistir.

Depois de vistos em detalhe todos os acontecimentos,  foi ouvido, sem exceção, quem restava presente. A tendência de rendição parecia inevitável, quando, num ímpeto, a voz rouca do oficial de comando se fez ouvir:

- Não tenciono me render; ouçam isto como à minha palavra final. Tem outra coisa além dessa; vou explodir o paiol - em Sousa ficava situado depósito de munição suficiente para causar danos num raio de vários quilômetros, caso fosse pelos ares. - Quem quiser me acompanhar, irá ver agora mesmo.

Falou e, de pronto, se ergueu no prumo de um dos cantos do cômodo escuro, onde duas latas cheias de gasolina davam azo à manipulação pretendida. Debalde procuraram os outros milicianos dissuadir o comandante de qualquer gesto tresloucado, ainda que em vão resultassem os esforços, talvez pela falta de habilidade, dir-se-ia; assim, não dominaram o suficiente para impedir outras atitudes. Ele, armado de dois revólveres, abriu de chofre as rótulas da porta principal do casarão, saindo a esmo na busca dos inimigos, Juarez Távora e os demais que juntos vieram, para efetuar, no depois, carga de sucessivos disparos, sendo atingido pelo fogo de resposta e levado exangue ao solo já vermelho nas claras do dia vindouro.

A viúva desse soldado, residente em Fortaleza, ao receber telegrama que o dizia preso após rendição, ignorou a notícia, observando conhecê-lo o suficiente para saber que jamais se entregaria vivo; e admitiu haver sido o marido morto numa ação de luta aberta, como aos bravos cabe sobrevir.   

(Ilustração: Reprodução (https://www.facebook.com/VictorFidellis/).

 

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