Há um livro de Albert Camus que reflete tais circunstâncias, o peso nas consciências. A queda, eis o título. Ele, o titular da história, cruzava uma ponte, noite tardia, quando avista pessoa em gesto suspeito de quem quer abandonar a vida. Ver a situação, reconhece o quanto de risco o outro corria naquele instante, porém se faz desentendido, indiferente. Passa perto, com chances de evitar o desenlace, e nada faz, ciente do que implicava se jogar no rio gelado, turbulento. E deixa acontecer. Com isto, ainda ouve a pouca distância o som mórbido da queda do corpo.
Daquela data em diante, no entanto, jamais desfrutará de paz, se sabendo o único que testemunhara a ocorrência. E carregará a marca da omissão face ao desespero, conivente que fora perante o desvario da vítima. A partir do dia em que fiquei alerta, veio-me a lucidez, recebi todos os ferimentos ao mesmo tempo e perdi de uma só vez as minhas forças. O universo inteiro pôs-se então a rir à minha volta.
Nem a morte vencerá, pois, a fraqueza da derrota do homem, que reclamará todo tempo do pecado que acumpliciou e escondeu na indiferença. Lembrar que um dia trouxera consigo, e perdera, a Salvação da boa paz. Adeus.
(Ilustração: Munch, O grito).
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