As chuvas do Sertão
surgem só no Verão, estação do estio noutras regiões. Ainda assim, quando vêm,
se é que vêm, chegam com intensidade a ponto de o sertanejo classificar de inverno,
seu Inverno, porquanto irriga o solo e possibilita o plantio das lavouras de
subsistência, milho, feijão, arroz, fava, jerimum, maxixe, no tanto suficiente
a cruzar o ano inteiro.
No Tatu, situado a
meio do semiárido cearense, no Sertão do Salgado, segundo a classificação
atual, o regime das chuvas funciona desse modo típico. Pelos inícios do século
XX, numa dessas quadras chuvosas que superam a média histórica de causar
espanto face ao excesso de águas, naquele ano, Fideralina Augusto Lima viu o
Açude Grande receber volume além do suportável, o que ameaçava a capacidade do
reservatório.
Diante daquilo, como seguissem
chuvas volumosas e na madrugada em nada diminuíssem de ritmo, a matriarca decidiu
fazer, ela própria, a defesa da parede de barro do açude, indo se postar no
logo percurso da barragem que retinha as águas, munida de um rosário, e rezava andando
de extremo a outro em preces fervorosas.
Contava o meu avô que
os relâmpagos ali indicavam na escuridão a presença aflita do vulto sobre a
barragem. O leito do açude já iniciava levar o obstáculo de barro que retinha o
volume d’água, enquanto a tempestade monumental prosseguia célere.
Os gestos da velha
senhora refletiam o tanto do seu desespero, que, de longe, lá do beco entre a
casa grande e o engenho, testemunhavam familiares e moradores, absortos e
cientes das impossibilidades para conter a fúria natural dos elementos.
O dia nem clareara e
Fideralina, em lágrimas, abandonaria o cimo da parede à convulsão das águas a
rolar devastando os obstáculos que achasse pela frente, levando num único gesto
o apurado de todo inverno, fortuna do ano inteiro da sobrevivência dos matutos.
Esgotada, trêmula,
cabisbaixa, molhada no corpo e na alma, quem demonstrara tanta valentia perante
desafios guerreiros e tempestades emocionais, agora revelava a fragilidade
feminina e os limites da vontade humana.
Ao claro tímido da
manhã chuvosa, enquanto as pessoas observavam o estrago deixado pela força indômita
das águas no ventre devastado das plantas do brejo logo abaixo, caminho aonde
fugira o açude, a principal personagem do drama noturno sob os lençóis dormia sono
solto.
Émerson,
ResponderExcluirPrecisamos de suas histórias sobre Fideralina, familiares e o Tatu.
Grata pela sua contribuição.
Cristina Couto.
Cristina,
ResponderExcluirAbraço.
Emerson.
Emerson, concordo plenamente com a Cristina Couto: você deve escrever mais sobre a memória do Sítio Tatu, e contar o que sabe sobre Dona Fideralina e ainda não foi revelado. Forte abraço.
ResponderExcluirDimas,
ResponderExcluirÀs vezes chega à memória narrativas de meu avô e de meu pai a propósito do Tatu dos tempos de D. Fideralina. Quero juntar isso aos poucos. Já escrevi um pouco, e quero escrever mais. Hoje mesmo, Um escravo branco, atualiza algo disso.
Abraço.