quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Um lugar bem aqui

No livro A erva do diabo, Don Juan, o feiticeiro mexicano que instruía Carlos Castañeda, autor da obra, depois de longo período de iniciação, ao concluir as instruções junto ao discípulo, isto num fim de tarde no deserto, na varanda de casa abandona, entrega-lhe um palito de fósforo e orienta a que, no escuro da noite, à medida daquele pequeno instrumento, viesse localizar seu lugar no chão escuro e poeirento daquele alpendre. 

Nisso, Don Juan se despende e mergulha pelas sombras da noite, deixando Castañeda a braços com a rude tarefa pessoal. Enquanto media o território usando o palito de fósforo também cabia descobrir aonde assinalar o ponto exato a ele destinado no piso em que se arrastava. No início de bruços, depois do jeito que pode, à busca de achar o espaço nítido que lhe cabia.

O dia principiava a raiar quando isso aconteceu. Sentiu a mais plena identificação dele com o quadrante mínimo de solo qual previra Don Juan. Assim, harmonizado por conta do cumprimento da águia do mestre, ali mesmo estirou o corpo e adormeceu a sono solto.      

Isto também na vida face aos mistérios de viver e descobrir os meios de ajustar a existência perante os trâmites da jornada. Quais cavaleiros andantes de país imenso, sempre novo e insólito, os interiores da presença individual em que viajam pensamento e sentimento empreendem o esforço de acalmar esse instinto da procura constante. Utilizando tão só a fração infinitesimal do ser, medem cada fração do solo sagrado da vivência e ajustam, momento a momento, nos vales e montanhas da alma a correr nas horas inevitáveis.

Quantas e tantas vezes apalpar as superfícies de dentro, lugares inesperados, frios, quentes, mornos, azuis, encarnados, amarelos, verdes; e a memória a guiar os passos no impulso de sobreviver a todo custo diante do desaparecimento. 

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