terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Procissão em Cusco

Princípio bem frio de noite e regressávamos ao hotel depois doutros passeios aos sítios arqueológicos incas das imediações da cidade, quando o trânsito corria lento, quase parando, devido a uma procissão que deslizava suavemente pelas ruas principais de Cusco. 

Descemos do ônibus a algumas quadras, trazendo as bagagens utilizadas no dia. Bem defronte do hotel prosseguia a procissão. Quanto louvor à Santíssima Virgem ali presenciei, em contraste à cultura de antigamente do lugar conquistado a duras penas. 

Viéramos a pouco de ruinas do passado pré-colombiano e nos deparávamos agora com a tradição europeia da colonização em culto veemente às tradições do Velho Mundo ali transpostas pelos séculos de predomínio. Revivescência da Europa distante, revelava o espírito das eras na face mestiça a conduzir andores ao lado de sacerdotes católicos em ibéricas feições. 

O ritmo cadenciado da banda militar, seus metais, sopros, couros, em passos harmônicos tangia o séquito sincopado, ao perfume de incensos de turíbulos sacudidos às mãos de coroinhas vestidos à moda da Igreja dos tempos clássicos. Moços estudantes de ternos iguais, a portar escudos de educandário no bolso, agasalho necessário à temperatura quase a zero grau. Ícones, castiçais, batinas, paramentos, flores, movimentos, cânticos sombrios, vozes soturnas, veemente dedicação aos segredos universais da fé. Pura leveza de arte eclesiástica original imbuia de reverência àqueles valores rituais das primeiras consciências do que seja a religião romana; e sozinho, diante da porta do hotel, permaneci por longo tempo, inebriado de embelezamento.

Beleza, pura beleza mística, tocava as regiões internas da alma, lembranças dos inícios das noites do interior brasileiro, longe, na dedicação religiosa da Ave Maria tão surpreendente lá depois da Cordilheira dos Andes, profundidades dos pagos peruanos e seio original do Império do Sol. 

O fervor intenso daquelas pessoas em filas ordenadas fazia imaginar presenças de poder no Deus daquela gente, tons de imortalidade, sentimentos, enquanto demorei só o tanto suficiente a deixar as que também me envolvesse até chegar de volta aqui e narrar em poucas palavras a emoção de um dos  detalhes inesquecíveis dos quantos fora toda a longa viagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário