quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O curandeiro espanhol

Na visita que fez ao Ceará no período da Bienal do Livro de Fortaleza (agosto de 2004), durante palestra realizada no Salão de Atos da Universidade Regional do Cariri, em Crato, o escritor espanhol Manoel Rivas, a contar algumas histórias do povo catalão, descreveu tratamento exótico praticado por célebre curandeiro, o maior de todos que existiu nas terras da Espanha.

Para esse puçangueiro apenas se dirigiam aquelas pessoas às quais nenhuma esperança de cura jamais existiria. Os doentes desenganados buscavam o apreciado tratamento após percorrem infinitos lugares e, perdidos de todo, aportavam no terreiro do tal xamã, alimentando certeza de refazimento completo da saúde.

Manoel Rivas, então, descreveu os detalhes do processo adotado pelo homem, que vivia em sítio afastado. Recebido o doente, seria isolado em uma cabana de lugar ermo. Em noite escura, conduziam-no ao relento, tirados dele toda e quaisquer vestimentas e adereços, posto em completa nudez.

Nessa hora, o curandeiro lhe perguntava o nome, nome dos pais e de onde viera.

- Chamo-me Manolo – a título de um exemplo que seja, pois não recordo os nomes ditos por Rivas. – Meus pais se chamam Pablo e Maria. E venho de San Piedro de Majorca.

Ouvidas as respostas, o curandeiro de pronto reagia para dizer:

- Não, não, não! Seu nome é Marcelo. Seus pais são Fernando e Alda. E vem de Santana de la Concepción.

Surpreso, o paciente reagia, confirmando, outrossim, suas primeiras respostas. Ao que o curandeiro voltava a recusar as respostas, de novo trazendo os nomes que dissera para substituir os do paciente.

O debate acalorava a conversação, que se estendia noite adentro, durante longo tempo. Enquanto o paciente insistia em defender sua identidade, pais e lugar de origem, o xamã sustentava as modificações apresentadas, nisso consistindo a base do consagrado e infalível tratamento.

Horas e horas transcorridas naquilo de afirmar e negar, e substituir os dados levantados, reclamando a mudança da personalidade do paciente, exausto e abalado nas certezas iniciais trazidas consigo, este recuava esgotado para manter as velhas convicções diante do mal que o destruía. Aceitava com isso as mudanças propostas pelo curandeiro intransigente, abrindo mão definitiva dos valores que até ali o conduziram, qual nascido outra vez. Nesse momento, a doença deixava-o, sumidos os sintomas que antes demonstrasse. A força da saúde retornava intacta no outro que em si desenvolvera através método.

Por vezes, enfermos tanto se apegam aos achaques de males físicos que desenvolvem afetos, assumindo os resultados da doença. Na comunhão dos achaques, se sujeitam a promover dependências causadas de modo inconsciente. Assim, a eliminação acontece ao custo de eliminar a existência mental dos males. Eis qual interpreto o método do curandeiro, na palestra de Manoel Rivas quando esteve aqui conosco.

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