quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Domínio solitário

Nas tardes mornas, quando os pardais xamegam no silêncio de outubro há pouco refolhado, e o rádio toca velhas canções de saudade, o coração sacoleja no peito falas de jeito surdo, nas apreensões da solidão. Da lucidez, algo sagrado reponta pelas frestas calorentas. Nisso, andarilhos param nas esquinas em busca de rever amores perdidos, barba por fazer, sacos encardidos às costas, de dramas acesos nos olhos tristes. Apenas ausência de outras horas, outras terras, enquanto o relógio monótono desconta cada segundo, passo cadenciado dessas moendas que pedem paciência de mãos estendidas ao infinito.

Aqui dentro, nesta sala enorme de vazios preenchidos de trastes, na luz da esperança contida, uma fome sorrateira de novidades se arrasta pegajosa pelas galhas retorcidas do jardim. Lágrimas em poças ainda recentes cintilam tinta brilhosa dos carrões de luxo que deslizam entre motos e semáforos, rápidos bólides, nas malhas frias das ilusões, enquanto uns silêncios impacientes de novo apresentam credencias às portas do calor.

Quer-se fazer de modo à toa coisas antes feitas de forma inútil, para reter o tempo em nós, porém as faces do presente reclamam folhas novas às árvores da vida. Amores flutuantes ainda persistem, acalmando a sede do prazer, clamor de rês desmamada, sabendo, contudo, ser eterno o direito dos prazeres que permanecem feitos fiapos durante o percurso do espírito ao caminho da luz, frias madrugadas abissais.

Quereres atrozes na carne... Doces espasmos de culpas... Descem os bichos à represa para beber água no sumir do dia. Eu, aqui, vulto pensante de ser sofisticado, me olho por dentro do que sou e revejo possibilidades na sombra que se desprende longa no estirão do sol. Quero a tranquilidade do voo cósmico das garças ao longe, espantos que respigam tintas brancas no azul esmaecido, que moldura a tarde.

Cá em mim essa oficina que desentorta pontos de interrogação em soberbas exclamações dispostas perante as peças do cômodo em que me acho prisioneiro, no entardecer impaciente. Olho o eu que resiste e sabe que sairá do outro lado das cercas, no velho trilho do gado que volta. 

Pensamentos assim escorregam altivos pelas dobras da ausência, e insistem continuar fiéis ecoando nas paredes do tórax ansioso, gritos compassados de sabiás distantes, a reverberar a mata cinza de sertão sofrido, pelas vozes misteriosas da noite.

Aviso claro escreve no círculo  solar de brasa rubra tudo isso: Amor e paz que desfiam certezas diante do modo de viver que nos é dado com força e persistência, nas certezas definitivas da mais pura verdade.

(Foto: Jackson Bola Bantim).

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