segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A fome do ouro

Midas era um rei que adorava Dioniso, o deus do vinho, nos mistérios de quem lhe instruíra o poeta Orfeu. Devido a isso, achava-se portador de alguma sabedoria. Num certo tempo, trazido por camponeses do reinado, veio ao palácio Sileno, sátiro velho e bêbado, amigo do seu deus de devoção. 

Deveras impressionado com a inesperada visita, Midas cuidou de oferecer largos festejos ao visitante, logo transformado em objeto da admiração e do afeto de toda a corte, que o cercava de mimos e banquetes diários.

Semanas seguidas e o rei se detinha a ouvir as longas histórias que o estrangeiro passou a transmitir nos salões admiráveis do reino.

Dentre essas narrativas, Sileno deu notícia de que, em algum lugar, existiriam dois rios, num dos quais crescia árvore cujos frutos envelheciam quem os utilizasse. No outro, do contrário, haveria, por sua vez, árvore de frutos rejuvenescedores, história contada e recontada pelo ancião estrangeiro.

Até que um dia o sátiro resolveu convidar Midas para conhecer de perto Dioniso, ambos seguindo nesse propósito a caminhar pelas margens do rio Pactolo. 

Chegados ao destino, o deus, feliz com o regresso do amigo, permitiu a Midas declinar qual seu maior desejo, e o satisfaria. De logo, o rei chegou a pensar nos frutos da árvore da juventude, o que ouvira do sátiro, porém escolheu mais riqueza do que já possuía, daí pedindo o dom de transformar em ouro tudo aquilo em que viesse a tocar.

Veja bem, com isso o desejo se concretizou, motivo de euforia do soberano, que viajou de volta aos seus domínios agora preenchido da empolgação que nele despertara o novo atributo. 

Tocasse em pedras, gravetos, espigas de milho, o que fosse, transformava-os em ouro maciço. No palácio, quando chegou, fez rebrilhar pilares, portões, móveis, em tudo causava espanto aos súditos boquiabertos. 

Contudo, quando à mesa, na hora da refeição, se assustou, pois a habilidade adquirida ocasionava de pegar e levar à boca os alimentos que tão só mastigava virados em peças ríspidas do precioso metal em que se transformavam pelo mínimo contato das suas mãos. Mesmo seus dentes ofereciam igual resultado aonde penetrassem.

Na verdade, uma aflição descomunal abalava o reino e o ânimo de Midas. Devido ao dom soberbo, ao abraçar um filho querido, virou-o, de repente, numa estátua dourada.

Diante do desespero causado, o rei buscou, outra vez, o território do deus Dioniso. A qualquer custo, reclamava cancelar o prodígio, querendo reaver o estado de pessoa comum que perdera.

Após observar a lição da cobiça na própria vida, o deus acatou o outro pedido e ensinou que ele procurasse o rio Pactolo para lavar o corpo durante longas horas. Consequência, as águas corriam rebrilhantes, recamando de pepitas de ouro margens e barrancos. 

Com isso providenciado, exausto, triste, Midas perfez o caminho de casa, saudoso da família e revendo os transtornos que causara. Ao se recolher nos cômodos reais, inobstante, lhe veio, vivinho da silva, o filho querido, sorrindo, que correu ao seu encontro, proporcionando o mais extremoso dos abraços.

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