quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A prova escita

Era a vez dos dois amigos padecerem sob a mira fulminante dos óculos do professor, que lhes aplicava o teste anual de Português, a peneira mais fina da escola. Quesitos selecionados da vastidão do idioma pátria administrariam a corrida de obstáculos que iria permitir acesso aos níveis seguintes. A derradeira questão premiaria os alunos com redação de tema livre, onde soltariam a criatividade e mostrariam o quanto desenvolveram da aplicação das normas ensinadas o ano todo.

Em carteiras próximas, eles dois apoiavam entre si o conhecimento adquirido, vencendo nisso, com relativa facilidade, a primeira parte da avaliação gramatical, tudo, porém, ainda de jeito precário, primário, qual dizia o próprio nome daquela parte dos estudos da época.

Daí, chegaram à segunda parte, à inevitável redação. Ficaria, sim, mais difícil trocar opiniões, partilhar as experiências das aulas através dos cochichos clandestinos de canto de sala.

Queimado o juízo na escolha do assunto desenvolvido, Salu agora amargurava na seleção dos vocábulos e na correção ortográfica, dada a pouca prática de escrever, enquanto o colega se desenvolvia bem na matéria. Assim, veio a dúvida principal quanto à escrita exata de termo que adotava. Pensa daqui e dali, quando notou a importância de só mais uma consulta o parceiro abençoado: 

- João, João, como escrevo passo? – cauteloso perguntou o amigo, olho na prova e olho no mestre, lá na frente sentado lendo jornal.

Nervoso e impaciente face aos desafios da prova, Salu pediu maiores detalhes do que o companheiro indagara:

- Passo, passo de caminhar... Ou paço municipal?

- Não, não, nem um, nem outro. Passo desses que avua – retrucou Salu, nisso movimentando os braços acima e abaixo, no gesto inconfundível de animais alados baterem asas.

Profundo silêncio preencheu o vazio no tanto suficiente até de escutar o ranger dos lápis a percorrer as folhas de prova dos estudantes.    

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