sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Da solidão dos manequins

De carne e osso e nessas horas escutariam o som do motoqueiro que passeava um reboque de jingles e propagandas impertinentes de produtos agropecuários.

Na porta de loja da Dr. João Pessoa, eles dois, bisbilhoteiros extáticos de plantão, cinzas, fibras de vidro, olhos fixos, neutros, nus, ali expostos aos transeuntes indiferentes, cascas convexas de órbitas vazias em rostos magros, desenhos de candura nos moldes dos seios da mulher bonita que desfila saúde, a se notar nos reflexos dos carros parados junto da calçada, oito da manhã dessa quarta friorenta. 

No lado de lá da rua, o andar trôpego de veterano empresário com sacos plásticos nas mãos, filhos criados em dores de cabeça da testa azul de tinta nos cabelos brancos, ansiosa peleja de balancetes mensais. Vão adiante as pisadas e pernas interrogativas.

Gente, e eles usariam roupas jeans, demonstração de braguilhas fechadas e camisas abertas, gravata no pescoço; ela, barriguinha à mostra, busto grafite chuviscado de pingos de prata e um misto sensual nas fundas olheiras de véspera.

Pensassem, e perguntar-se-iam: - É disso que se vive, por trás de jaulas de vidro nas manhãs frias de junho? E o sonhar, de que tanto falam no rádio, que fosse isso talvez de caminhar a lugar algum, ou tropeçar no próprio passo, enquanto não chegava o destino linheiro? 

Sentir, e sentiriam as vistas grossas, vagarosas, da mocinha, no caixa do supermercado da frente, alimentadas no eco obtuso dos rocks nacionais barulhentos, a tocar do alto de postes, na avenida principal do comércio.

Pessoas-manequim, que vão e vêm; manequins-pessoa, que vêm e vão, pelas calçadas matinais.

De novo, apegados ao caminho da sorte, blusa ferrugem e sandálias de salto pendentes nos dedos, queixo espevitado, desfila umbigo, pernas, braços, tranças, a mocinha, dengosa, sorridente na brisa suave do estio.

Entediadas. Presenças. Dos manequins. Interrompem. A visão. Na porta da loja. Dois. Trastes estilizados. Que ofertam. Roupas. Iguais. 

Vidas neutras na forma de humanos seres esfregam o sol nos olhos-objeto, enquanto fregueses recém-despertos aguardam na fila e seus talões de liquidação dos estoques. 

Fora dali, no meio da rua, trânsito, barulho de pneus, frenagens, movimentos.

Houvesse coração no interior desses moldes e venderiam sentimentos nas demonstrações cordiais, no lugar de dominar as vitrines. Sós, no entanto, extáticos, pensativos (?), parecem caminhantes parados, no passo seguinte, imagens ligeiras das primeiras horas do dia. 

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