quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Sabença de caboclo

Talvez por pretender contrariar o princípio de que cavalo ruim se vende longe, Chico Ivo tratou de camuflar muito bem a deficiência do animal com a instalação mais do que perfeita de outro belo rabo no baita cavalo luzidio, untado com esmero numa mistura gosmenta de breu e cola de marceneiro, disfarce primoroso da alisada vassoura de longos fios selecionados.

Junto ao toco, implantara a nova cauda, recolhida de outros bichos no decorrer de longos meses, cabelo a cabelo, que, de firme, mostrava-se suficiente para confundir os maiores especialistas, como deixará provado. Concedia, inclusive, ao equino ginga do tanto de esboçar ligeiras e saudosas abanadas, qual nos velhos tempos de inteiro.

Bom, foi assim que resolveram desafiar o furdunço da feira de Lavras da Mangabeira, buscando o pátio dos bichos, onde não teve mesmo quem viesse de notar a gauribagem. Tudo limpo no céu do meio-dia.

Interessados não custaram a aparecer com suas pretendências e propostas. Examinavam o cardão de cima a baixo, coleando a pelagem, friccionando o lombo, sempre cuidando de olhar dentes, cascos, orelhas, na mania dos espertos.  Porém foram, de verdade, os ciganos que primeiro se fixaram na intenção explícita da compra, seguindo logo, logo, saber do preço.

Conversa vai, conversa vem; regateia daqui, regateia dali; negócio realizado. Cabresto na mão, dinheiro no bolso, e, satisfeitos, certos de uma boa transação, restava aos negociantes pegarem estrada e buscarem o destino da tropa nas estradas poeirentas do sertão.

...

Passadas se foram algumas luas, ritmo obediente das coisas naturais. A tranquila cidade mudou quase nada em meio à falta de  acontecimentos marcantes.

Lá noutro dia, noutra feira de grande movimento, gente muita, muita animação comercial, difícil até de se achar quem se procura entre as tantas caras, eis com quem Chico Ivo se defronta, de imediato reconhecido... Com os mesmos ciganos que lhe haviam adquirido o cavalo. Vinham de longe acenando, para garantir o encontro casual inevitável:

- Ganjão, ganjão! Aguarde um pouco que seja.

- Não quero nem saber, - reagiu enfático o antigo proprietário do animal. - Negócio feito ninguém desfaz. Fechado está, assim restará. 

E quão admirado ficou da resposta que lhe veio do cigano à frente dos demais:

- Se despreocupe, ganjão. Nosso objetivo é outro. O que passou tá pra trás. Viemos aqui foi lhe fazer uma outra proposta, de que o senhor aceite, a partir de hoje, seguir com a gente e chefiar nosso bando.

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