segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

As duas vizinhas

Elas duas moravam às margens dos trilhos abandonados de antiga ferrovia que cruzava os arrabaldes esquecidos, naquele bairro distante, cheio de sobras de lixo e sacos voadores de abandonados ao vento, ou presos no arame das cercas divisórias, entre garranchos das vielas sem calçamento, com água estagnada minando poças nos buracos das trilhas, diversão nua das crianças de bundinhas e buchinhos rajados, bem ao molde dos lugares prediletos de político nas vésperas eleitorais, prato típico da soberba municipal.

Comadres que se respeitem acompanham vidas conjugais, medicamentosas, culinárias, umas da outras, os destemperos dos maridos, festas, viagens, apurados, esperanças, visitas, farras, jogos, o escambau a quatro, afinal. Quintais e cercas de faxina tudo deixam passar fácil, costelas abertas aos dós de peito e fumaça dos fogões de lenha, mais apagados que acesos, semanas iguais no pouco e no raro dos pirões amarelados.

Bom, seguindo viagem, diria que as duas vizinhas mantinham no quintal seus inevitáveis chiqueiros de galinha. Belo dia, desapareceu gorda pedrês de uma delas, prejuízo de abalar o patrimônio já humilde da família. E toca a comadre a procura em todos os recantos.

Horas e dias, e nada... Raposa não andava no trecho. Ladrão pouco atentaria de catar migalha nas botas furadas do recanto. No outro lado da casinhola, só abandono e terreno ermo, vazio...

Restou logo quem, na caixa das desconfianças; a querida amiga de tantas batalhas, que agora resolveria desfeitear e lhe roubar a galinha. Ontem de noite, escutara ruídos esquisitos, parecido coisa de refeição fora de hora, nos quartos pegados da casa vizinha...

E parou receosa, olho na rua, imaginando achar jeito de solucionar a história do sumiço da ave. Aproximava-se a comadre botando água, pescoço molhado, de rodilha e lata na cabeça. A outra, curvada sobre o batente da janela, pensava:

Ela vem do jeitinho de quem roubou minha galinha. Passo pequeno, balanço dos quadris, vexada... Escrita quem rouba galinha.

- Bom dia, comadre! – exclamou. (- Com a voz de quem comeu minha galinha...).

- Bom dia, comadre – respondeu.

Surpresa sua, horas depois, inesperada, assanhada, barrenta, a galinha retornou ao quintal, ciscando faceira os mesmos monturos de pouco resultado, causando naquilo forte agrado na dona, que, feliz, longe repercutiu a notícia: - Achei a penosa fujona! 

Reconfortada e calma, quase perto do almoço, de novo recostou-se à janela e olhava na rua por onde descia a comadre, ainda enchendo os potes nos caminhos d’água. Feliz de si para consigo, admirada, reconheceu:

Veja isso, do jeitinho de quem não roubou minha galinha. Passo pequeno, balanço dos quadris, vexada... Escrito de quem não rouba galinha.

- Comadre, dia bom!

Voz de quem não comeu minha galinha...

- Bom dia, comadre. Céu limpo, brisa suave, refrescante, belo dia! – a outra retribuiu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário