Qual trilha sonora impecável, tudo permanece gravado nalgum equipamento do Universo. Tudo, sem exceção, ali sobrevive na mesma intensidade com que se viveu. Horas sem fim de gravação ininterrupta resiste ao desaparecimento e preserva todas as vivências, sobretudo que se dão no sentimento. Uma saudade guardada sobre as demais une a gente ao todo e fixamos nas horas nesse mapa de eternidades.
Vezes sem conta nos deparamos conosco noutras chances e as
emoções nos dominam por dentro, a demonstrar que ainda existem na mesma proporção original. Matéria de estudo das existências, repassamos, tantas vezes quanto
necessário, o caldo desse conteúdo enigmático. Ele que fervilha intenso feito
seres em atividade inextinguível, a recontar o que houve naqueles instantes antigos, pela busca de atualizar sempre as consciências.
A impressão que predomina é de sermos dois, invés de um só.
Enquanto caminhamos agora, passo a passo outro eu nos acompanha no que vivemos
lá antes, a impor coerência à atualidade. Isso identifica as saudades de outras
vezes sem conta. Vêm personagens, vivências, situações as mais diversas, num
caleidoscópio infindável. Em um retrabalho constante, fazemos disso novos
significados e resistimos ao furor desse caldo fiel que cresce à medida do
tempo vivido.
Quantas ocasiões, e me vejo na primeira infância, na fazenda
onde nasci, em Lavras da Mangabeira; noutras, na minha vida em Crato, durante a
segunda infância e adolescência; nos idos de Brejo Santo, quando trabalhei por
quatro anos; na sequência posterior, em Salvador, em Crato, de novo; nas
viagens que fiz onde andei; e os diversos momentos, livros que li, filmes
vistos, histórias ouvidas; as amizades; os cursos, reuniões, participações
políticas, os relacionamentos familiares; tudo bem preservado, intacto, pedaços
reunidos de mim que atravessam incólumes o transcorrer das estações.
São esteios nítidos do que sou, numa correnteza insistente, força
inesgotável dos céus na alma, nos dias. Com essa matéria prima agora me reconstruo
gradativamente, tal quem aprimora o senso da Natureza no íntimo, e nisto preencho
o barco de minha história à luz do que aprendo e pratico, do que vivo e obtenho
dos frutos acumulados, no silêncio do Infinito.
(Ilustração: Sucatas eletrônicas (reprodução).
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