quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O rei da Serra

Através de Nemezin conheci Reis, o rei da Serra. Morava de arrancho na casa de um morador do Sítio Venha Ver, próximo de antigo barreiro que pertencera a Filemon Teles, no alto da Chapada já pendendo aos descambos do Pernambuco. Figura típica de roceiro nordestino, vestido num terno antigo, ensebado pelo uso e distante de qualquer lavada que fosse. Ele debaixo de um chapéu de couro dos pequenos, integrava sua fisionomia no ambiente, qual ali houvesse nascido e habitasse desde as origens; trazia a presença envelhecida de personagem longe dos banhos há décadas, carregando consigo velha espingarda de carregar pela boca, um bornal de lona acinzentada, alpercatas rotas, remendadas, homem mais chegado a bicho tal qual os bichos da mata. – De calango acima tudo serve de comer – dizia quando perguntado daquilo de que se alimentava na faina dos dias.

Ali na década de 70 do século passado, Reis já vivera mais de três décadas vagando pela Floresta Nacional do Araripe. Os donos da casa onde dormia algumas noites quando em vez falaram que ele gostava mesmo era de pernoitar fora. Aparecia raramente.

Sua história falava de haver perdido a esposa logo no primeiro parto, quando morava na cidade, em Crato, lá embaixo. A dor fora tamanha que desde então correra no rumo da mata e nela permanecera em definitivo. Achara suficientes motivos de viver a solidão do ermo, longe de tudo e de todos da vida urbana. Jamais regressara às ruas. Sua aparência definia bem o sistema que escolhera praticar. Espécie de peba, ou gambá, ou tatu, cotia, teiú, era só natureza entre a terra e o cascalho, no mundo rústico daquelas existências. Do nariz aos cabelos grandes, desgrenhados, embranquecidos, a engraxada rebrilhosa do negror de suor e poeira, arrastava também no íntimo, em que transportava espécie de humor esquisito dos que esqueceram para sempre a civilização, porém dialogava e ria desconfiado, atencioso ao que lhes perguntavam.

Avistamos Reis duas ou três vezes, e nunca mais. Desapareceria no decorrer da década dos 80, deixando no rastro as raras lembranças naqueles que o conheceram ali na Serra do Araripe.   

Um comentário:

  1. O rei da serra é você! Que a todos ilumina com a sua sabedoria, humildade e conhecimentos. Você é uma luz na minha vida...minha paz...quando estou e estressada, paro, olho seu rosto sorrindo e recebo sua paz... obrigada...

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