sábado, 5 de julho de 2014

Gratidão filial

Exercito, hoje, o direito de observar os meus pais e o silêncio onde eles passam os seus dias, apenas quietos em um dos quartos da casa onde vivemos bons momentos de nossa história, agora vazia nos outros cômodos. Ali, acompanhados por pessoas abnegadas, ao vê-los algo mexe dentro de mim. Algo assim parecido com presença invisível de bicho desconhecido a sacolejar o espaço já movimentado do meu peito; um ente abstrato, espécie de animal apreensivo com o futuro. Logo comigo, que tantas ilusões de segurança alimentei e alimento, nas frioleiras das artificialidades e falsas expectativas. 

Olho neles e, interrogativo, me pego a analisar o que lhes reservam as esquinas implacáveis do tempo. Eles, que tanto esforço aplicaram na realização dos filhos, cinco, no total. Que tanto se alegraram com nossas alegrias passageiras, nossos sonhos de vitórias em pequeninas coisas. Vislumbram a concretização de nossos projetos, e que raro nos detivemos para receber melhor seus conselhos, classificando-os, por vezes, de preocupações fora de moda. Que comemoraram com vibração inusitada o nascimento de cada neto como sendo novos filhos. 

Quantas estradas percorreram para dizer o que disseram e que tão pouco escutamos. Eles, dotados de tamanho equilíbrio no trato dos filhos, sofreram as nossas ausências em noites sombrias de solidão, catadores que somos das baladas de risco, audazes aventureiros de perdidas empresas.

Eles, de faces luminosas nas horas animadas... Lacrimosos nas despedidas... Braços abertos na chegada, um não se conter de satisfação nos instantes animados das reuniões familiares rápidas e transitórias. Reunir todos os filhos em datas especiais e vê-los, depois, dobrar as mesmas curvas estreitas da saudade, nos vazios instransponíveis dos momentos distantes... 

Quanta sacralidade tem a beleza da família, mas quanta incompreensão dos filhos, lições vividas na própria pele na matemática que se segue nos nossos próprios filhos. 

Desse modo, vejo os meus velhos e sinto amolecer o coração. Quero, assim, trazer cá de dentro dos meus compromissos esta mínima gratidão a pessoas tão preciosas, plenitude da mais honesta dignidade do trabalho, dedicação fiel nas pautas da natureza e na harmonia do lar. 

Espécie de gelo revira meu interior. Palavras afloram no pensamento e lembram o amor que a existência impõe na amizade, no companheirismo... 

Enquanto alguns enrijecem a musculatura do pescoço com o temor travoso das emoções impacientes, outros aceitam enxergar a nobreza dos laços verdadeiros que jamais se desfarão. Daí, quis firmar, num gesto, a fidelidade pelos que me deram a mim; e concedo aos meus filhos o testemunho do que isto representa em termos de agradecimento aos responsáveis pela nossa existência neste mundo. 

Foto: Jackson Bola Bantim.

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