Numa bela manhã do inverno sertanejo, eis que
sapo dorminhoco se viu atolado na lama, debaixo do peso das patas de touro descuidado,
gordo e indiferente, que se deliciava no pasto da represa de um açude cheio.
Aflitosos bocados atravessava o pobre cururu,
debatendo-se desesperado no firme propósito de, primeiro, salvar a vida, para,
depois, reaver a inestimável liberdade. Ali debaixo da força bruta daquele
monstro bovino, reconhecia, no entanto, as restritas possibilidades do esforço
que empreendia, querendo, ainda assim, guardar a qualquer custo os benefícios
raros de permanecer inteiro e sadio na face deste chão, desejo partilhado pela
grande maioria dos muitos que aqui vivem por vezes indiferentes com as facilidades
que encontram.
Via-se empenhado aos limites da força no
trabalho, quando, na mesma ocasião (quem aparece?!), uma sariema fagueira
descia para beber água no reservatório e na mesma vazante. Passou pelas
imediações e percebeu o aperreio daquela situação experimentada pelo infeliz
batráquio, debaixo do corpanzil do touro, momento ímpar de prestar
solidariedade ao amigo, outro irmão da natureza. A ave pernalta cuidou logo de
tomar chegada e descobrir o jeito próprio de fazer o benefício. Nisso, dirigiu
a palavra ao sapo esmagado, analisando as chances que haviam de auxiliar:
- Camarada Sapo - falou prestativa a sariema, -
que fazes nessas condições tão desconfortáveis, debaixo do corpo descomunal desse
touro gigante e impiedoso?
- Ah, Dona Sariema, nada não - respondeu o
sapo, que, se esforçando ao máximo para demonstrar sinal de tranquilidade,
ainda teve fôlego para acrescentar:
- É que estou apoiando seu Touro, cuidando de prevenir que ele não venha a escorregar e
cair neste traiçoeiro lodaçal. Aí, sim, caso não conseguisse, me veria a sofrer
muito mais, além da conta.
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