sábado, 29 de dezembro de 2012

Apólogo tradicional


Numa bela manhã do inverno sertanejo, eis que sapo dorminhoco se viu atolado na lama, debaixo do peso das patas de touro descuidado, gordo e indiferente, que se deliciava no pasto da represa de um açude cheio.

Aflitosos bocados atravessava o pobre cururu, debatendo-se desesperado no firme propósito de, primeiro, salvar a vida, para, depois, reaver a inestimável liberdade. Ali debaixo da força bruta daquele monstro bovino, reconhecia, no entanto, as restritas possibilidades do esforço que empreendia, querendo, ainda assim, guardar a qualquer custo os benefícios raros de permanecer inteiro e sadio na face deste chão, desejo partilhado pela grande maioria dos muitos que aqui vivem por vezes indiferentes com as facilidades que encontram. 

Via-se empenhado aos limites da força no trabalho, quando, na mesma ocasião (quem aparece?!), uma sariema fagueira descia para beber água no reservatório e na mesma vazante. Passou pelas imediações e percebeu o aperreio daquela situação experimentada pelo infeliz batráquio, debaixo do corpanzil do touro, momento ímpar de prestar solidariedade ao amigo, outro irmão da natureza. A ave pernalta cuidou logo de tomar chegada e descobrir o jeito próprio de fazer o benefício. Nisso, dirigiu a palavra ao sapo esmagado, analisando as chances que haviam de auxiliar:

- Camarada Sapo - falou prestativa a sariema, - que fazes nessas condições tão desconfortáveis, debaixo do corpo descomunal desse touro gigante e impiedoso?

- Ah, Dona Sariema, nada não - respondeu o sapo, que, se esforçando ao máximo para demonstrar sinal de tranquilidade, ainda teve fôlego para acrescentar:

- É que estou apoiando seu Touro, cuidando de prevenir que ele não venha a escorregar e cair neste traiçoeiro lodaçal. Aí, sim, caso não conseguisse, me veria a sofrer muito mais, além da conta.   

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