domingo, 2 de dezembro de 2012

Souza Filho, o ciclista


Ali pelos anos 60, em Crato, ele cumprira, na Praça da Sé, uma maratona de sete dias ininterruptos pedalando bicicleta convencional, aos olhares vigilantes da população da cidade. Dia e noite, esteve isolado por cordas, no setor central da praça, às vezes rápido, às vezes lento quase parado, buscando a sombra das árvores, nos horários do calor mais intenso. Viera de Petrolina e praticava esse desafio nas cidades interioranas do Nordeste.

A gente saía do colégio na hora do lanche e passava alguns momentos observando o atleta corajoso, magro, altura mediana, de pele morenada, camisa regatas, calção e boné, em cima das duas rodas, em movimentação constante; monitorado a promoção os promotores do evento, loja de materiais ciclísticos do lugar. Nos picos do sol, lhe jogava água, querendo com isso amenizar a temperatura e ativar os músculos. Souza Filho exerceu, assim, o papel de ídolo daquela mocidade.

Quando, hoje, procurei na internet pelo seu nome, coincidência ou não o encontrei batizando travessa da sua cidade natal, no centro do comércio de Petrolina, inclusive ali, no número 279, existe loja de materiais de ciclismo, a Casa do Ciclista, que desconheço possua qualquer vinculação com o próprio que comentamos.

No sentido de resistir à rude prova de superação, adotava injeções fortificantes e alimentos líquidos. Atendia às necessidades fisiológicas sobre o transporte em que pedalava sem parar hora nenhuma, pois mesmo enquanto o enfermeiro ministrava as injeções continuava girando os pedais.

Desde as aglomerações medievais, há registros dos heróis de rua, depois transpostos ao teatro, aos livros, revistas e filmes. Li um conto do escritor tcheco Franz Kafka, Um artista da fome, no qual o personagem cumpre a desafiadora função de permanecer de estômago vazio, perante ávido e atencioso público, durante semanas inteiras. Nas últimas décadas, o interesse pelos artistas da fome diminuiu bastante. Se antes compensava promover, por conta própria, grandes apresentações desse gênero, hoje isso é completamente impossível. Os tempos eram outros.

Após cumprir os dias previstos da façanha sobre-humana, Souza Filho recebeu, em solenidade com a presença da multidão, o prêmio a que concorrera, moderna bicicleta Monark faixa dourada, bem apreciada na época. Ao lado da praça, já aguardava uma ambulância que, terminando a cerimônia, iria conduzi-lo ao Hospital São Francisco, onde permaneceu algum tempo em recuperação face ao esforço despendido.

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