Ali pelos anos 60, em
Crato, ele cumprira, na Praça da Sé, uma maratona de sete dias ininterruptos pedalando
bicicleta convencional, aos olhares vigilantes da população da cidade. Dia e
noite, esteve isolado por cordas, no setor central da praça, às vezes rápido,
às vezes lento quase parado, buscando a sombra das árvores, nos horários do
calor mais intenso. Viera de Petrolina e praticava esse desafio nas cidades
interioranas do Nordeste.
A gente saía do
colégio na hora do lanche e passava alguns momentos observando o atleta
corajoso, magro, altura mediana, de pele morenada, camisa regatas, calção e
boné, em cima das duas rodas, em movimentação constante; monitorado a promoção os
promotores do evento, loja de materiais ciclísticos do lugar. Nos picos do sol,
lhe jogava água, querendo com isso amenizar a temperatura e ativar os músculos.
Souza Filho exerceu, assim, o papel de ídolo daquela mocidade.
Quando, hoje, procurei
na internet pelo seu nome, coincidência ou não o encontrei batizando travessa da
sua cidade natal, no centro do comércio de Petrolina, inclusive ali, no número
279, existe loja de materiais de ciclismo, a Casa do Ciclista, que desconheço
possua qualquer vinculação com o próprio que comentamos.
No sentido de resistir
à rude prova de superação, adotava injeções fortificantes e alimentos
líquidos. Atendia às necessidades fisiológicas sobre o transporte em que
pedalava sem parar hora nenhuma, pois mesmo enquanto o enfermeiro ministrava as
injeções continuava girando os pedais.
Desde as aglomerações
medievais, há registros dos heróis de rua, depois transpostos ao teatro, aos
livros, revistas e filmes. Li um conto do escritor tcheco Franz Kafka, Um artista da fome, no qual o personagem cumpre
a desafiadora função de permanecer de estômago vazio, perante ávido e atencioso
público, durante semanas inteiras. Nas últimas décadas, o interesse pelos artistas da
fome diminuiu bastante. Se antes compensava promover, por conta própria,
grandes apresentações desse gênero, hoje isso é completamente impossível. Os
tempos eram outros.
Após cumprir os dias previstos
da façanha sobre-humana, Souza Filho recebeu, em solenidade com a presença da
multidão, o prêmio a que concorrera, moderna bicicleta Monark faixa dourada,
bem apreciada na época. Ao lado da praça, já aguardava uma ambulância que,
terminando a cerimônia, iria conduzi-lo ao Hospital São Francisco, onde permaneceu
algum tempo em recuperação face ao esforço despendido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário