quinta-feira, 31 de julho de 2025

As gerações


Umas dentro das outras, numa cachoeira sem final, caudal de inesperados livres e sozinhos. Horas, milênios sem conta. Termina uma, outra já começara fazia algum tempo. Tudo assim, noutras viagens avassaladoras de inexistências. Encontros por demais, no entanto prenhes doutras aventuras, novas intenções, circunstâncias abertas guardadas a sete capas. Sim, delas, das intenções de completar o que seja, talvez, sem nunca, outrossim. Nisto, os equipamentos que se sucedem pelas sombras. Pessoas. Lugares. Histórias desfeitas em lutas, calçadas, sonhos, viagens. Portais abertos ao Infinito, aqui contudo saturados de sórdidos valores, às vezes, beatíficas cerimônias. doutras. Isto, que solidifica as abstrações perpendiculares de lágrimas e risos.

Quando em vez, vemo-nos, pois, pelas ruas e praças, distintos amores de antigas recordações regressam afoitos. Amigos. Colegas de escola. Artistas. Artesões. Senhoras e senhoras das tantas jornadas, neste solo escarpado de ruídos e silêncios esquecidos nos papeis diversos. Nisto, as palavras contam daquelas ocasiões inesperadas, dos encontrões da sorte, das noites sem par desfeitas pelos universos.

Bem claro que existiram nas folhas que o vento carrega a lugares nenhum. Que existem, que sejam dessas almas enigmáticas dos céus, o que somos. Quais quem nunca haverá de sucumbir aos desertos da solidão, ali estejam todos esses momentos solenes das vidas em volta. Este mistério fere de sentido ao que ora sabemos das normas do Destino. Regente imbatível, transporta consigo cada espécie, quantos filamentos de vidas em movimento, e superpõe a si mesmo nessa estrada circular das gerações.

Cercados, nisso, dessas barreiras instransponíveis da existência, resta tão só a certeza de estar aqui, olhos postos em lugar nenhum, corpos em queda livre nas asas dos séculos. Ao sabor das ondas primorosas desse tudo sem conta, descer-se-á ao firmamento, sentido inverso dos sóis. São cores, flores e harmonias de painéis em devolução dos dias em desaparecimento nos olhos de quem seja.

(Ilustração: Sumie (pintura japonesa).

domingo, 27 de julho de 2025

Paulo na ilha de Malta


No dia determinado para a viagem a Roma Paulo e os demais prisioneiros foram entregues à responsabilidade do centurião Júlio do Regimento Imperial. 
Atos 27-1

Destarte, Paulo, acompanhado de Aristarco, macedônio de Tessalônica, seguiriam de navio até Roma, a fim de ser julgado pelas autoridades do império, vez ser cidadão daquela gente. Antes de embarca, no entanto, ainda buscaria argumentar junto aos responsáveis pela embarcação que houvessem enfrentaria lá adiante fortes tempestades no mar Adriático, época prevista, ponde em risco a expedição, sendo nisso desatendido. Porém o centurião dava mais crédito ao piloto e ao comandante, do que ao que Paulo dizia.

Assim aconteceu, no entanto. Após largos esforços, chegariam à costa de Malta, ao momento em que às tempestades sucedeu um forte tufão, levando o barco a soçobrar inapelavelmente.

Madrugada fria, já na praia da ilha, passaram a recolher gravetos a fim de acender uma fogueira. Nisso, Paulo, junto dos nativos, ao revirar as madeiras sobre o fogo, viu-se mordido por víbora mortal que escapava do calor, ficando presa na sua mão.

Ao presenciarem o acontecido, os nativos passaram a observá-lo, na expetativa do que aquilo viesse lhe suceder, pois se tratava ferimento inapelável. Ele, porém, sacudindo a víbora no fogo, não sofreu nenhum mal.

Passado mais algum tempo, Paulo seguiu ileso, com isto causando espanto aos bárbaros da ilha. Ora, os bárbaros esperavam que ele viesse a inchar, caísse subitamente e morresse. Mas, depois de esperarem muito tempo e vendo que não lhe sucedia mal algum, mudando de parecer, diziam que ele era um deus. Atos 28-8

(Ilustração: Paulo escrevendo suas epístolasValentin de Boulogne ou Nicolas Tournierséculo XVI, atualmente na Blaffer Foundation Collection, HoustonTexas).

sábado, 26 de julho de 2025

A importância de continuar


Todas as coisas no céu e na Terra são maravilhosas. Mas a maior maravilha é a liberdade do homem escolher entre o bem e o mal
. F. W. Murnau (Fausto)

Nisso, viventes dessa fronteira, existirá o exercício da razão, face a face com o sentimento. Dois em único Ser. Peças do mesmo moinho, o vento chega no Tempo que se esvai à medida em que tudo desaparece nos escombros das inexistências. Dois pregados ao processo das horas, numa corrente inextinguível, perfeita. Nós, por nós próprios, autores e criaturas de um poder sem par. Daí o senso do absoluto a perpassar o quanto existir aonde for e quando será.

Fagulhas, pois, do Sol em movimento, aquecem a fogueira dos destinos e adormecem à margem dos sonhos. Transes do indizível, perpetuam na espécie o desejo da continuação pelas vidas, o que se é enquanto continuar. Perdurar para sempre ao solo das criaturas, raízes de humana exatidão. Nisto, portanto, ser-se-á o crivo da Eternidade pelos infinitos dos céus.

Bem assim o princípio da consciência de serem dotados, esses tais seres viventes, da liberdade desde o princípio. Valores enquanto percepção dos reais motivos de estar aqui. No entanto sob o equilíbrio dos dois que somos, a buscar dessa caligrafia a essência do justo objetivo e vislumbrar, na alma, as luzes da imensidão. Olhos do abstrato e penhores da concretude, uma pura realização do Eu em si.

Elas, as palavras, perenemente, bem no íntimo dos indivíduos, revelam o trilho das muitas histórias e preenchem de objetivo a paz que tantos querem e já transportam no mar do que hoje significam. Nem de longe há que desfazer o inesgotável da perfeição que ora sejam, na liberdade que trará, por isso, a semente viva da Verdade que persiste no coração da gente.

sexta-feira, 25 de julho de 2025

O aprendizado constante


Um modo especial de encarar as diversas situações dentro dos dias é olhar o mundo livre de julgamentos e revoltas desesperadas. Na razão direta do pouco domínio das pessoas com relação aos acontecimentos, virou norma inteligente não teimar diante dos obstáculos, por mais comuns que eles sejam. Sabedoria acima de tudo representa, portanto, paciência, conformação, humildade em face daquilo que ninguém consegue resolver por si próprio, deixando ao tempo abençoado soluções inesperadas e impossíveis. Como gostam de repetir os afoitos: - Devagar se vai ao longe.

No entanto, só dizer isso pouco significa em termos de compreender que mistério monumental sempre invadirá o chão onde pisa cada um, ainda que detenha faixas de conhecimento e organize com cuidado, mesmo em horas cinzas, os conceitos da natureza. Porquanto ninguém abrange tudo em suas investigações e aprofundamentos.

Nisso algumas respostas somadas apenas falam insignificâncias do tanto que o futuro reserva, no estudo constante dos segredos universais.

Algo, porém, já se sabe e atende suficiente do que até agora foi realizado pelos povos, e dá para o gasto de sobreviver. Há uma espécie de mínimo necessário que conduz o processo a resultados desejados. Para onde se virem, os humanos crescem na tecnologia dos séculos da experiência. As respostas permitem que um sistema continue alimentando a espécie, no que pesem críticas de ecologistas aos excessos pecaminosos.  

Em resumo, existir e adquirir maturidade em tudo por tudo, desde sonhar, comer, viajar, simboliza esse itinerário valioso dos momentos históricos depositados nas folhas secas do tempo.

Conquanto tantos reclamem, não existe outro jeito senão aceitar as contingências, arrumar os pensamentos e cumprir as leis, período este de adquirir mais conteúdo arrecadado no decorrer das existências.

Dúvidas e obstáculos significam, pois, oportunidades para novas e emocionantes jornadas de consciência e contribuições, fatores essenciais ao aprimoramento de pessoas e civilizações.

Ah! Quanta perfeição habita nessas estradas solitárias do percurso vida!

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Ainda sem título


Há um passado qual sejam os armários das vidas, espelhos da consciência individual dispostos nos mesmos caminhos aonde tocam-se de novo os destinos que em si todos carregam. Acesos os olhos, desertos esparramam, grossos, areias sem fim na alma das criaturas. Daí se avista o palco das alturas na medida dessas luzes que tantos veem e delas esquecem, cativos que pereçam nas próprias carnes. São horas deixadas no Tempo, cheias de marcas pessoais. E nisso não haver culpa e, sim, medo, porquanto bem significam tão só urgência de significados.

À busca das profecias, querem, a todo custo, impor condições ao inevitável. Largassem de lado o senso de determinar tudo, ver-se-iam face a face com o princípio da inevitabilidade. Gostar de compreender o mistério das histórias e desvendariam o quanto importam no transcorrer dos gestos e virtudes.

Bem isso que detêm os parágrafos de contar a miúdo as horas e os desafios da gente com a gente mesma. Guardar nos sentidos a verdade insana que alimenta de cores a liberdade. Ajustar consigo o princípio das certezas e mergulhar fundo no íntimo das existências.

Nisto, inúmeras considerações vêm à tona quanto ao sentido desta evolução. De onde, aonde, qual que seja. Infinitas avaliações do que ora esteja ao relento da sorte de qualquer um. Os precursores das aventuras espirituais a isso predispõem um itinerário certo e vislumbram mil possibilidades. Estimam o verso desse quadro que transita na solidão das noites, na sombra frontal de tantos.

Perante, pois, o crivo das compreensões, resta somente o trilho da continuidade. Palmilhar o chão que sobra aos nossos passos e sonhar diante das transições. Não basta querer, tem que sentir e viver. Sustentar o firmamento aos próprios pés, e adormecer nas telas trazidas aos ombros do futuro. Sobreviver, portanto, aos sóis de depois, apenas isto.

terça-feira, 22 de julho de 2025

Para mim o livro


Para mim, é a literatura um passaporte ao país da imaginação.

E neste livro, com que abuso das minhas prerrogativas diplomáticas, literárias, no caso do dizer aquilo que venho colhendo nos caminhos de uma jornada interior dentro de minha história de vida.

Coloquei, com prioridade, cadeira na fronteira entre a realidade e o imaginário, e anotei, passo a passo, o fio do que ali desfilava, cortejo diverso, esquisito, às vezes, da matéria prima que jamais cansa de alimentar o território dos sonhos.

Daí, rompendo a neutralidade característica dos que apenas observam e não participam, fiz valer a disposição de recolher no papel os elementos, os sinais da liberdade, pela escrita rotineira.

Quais brotos diletos da inexistência e da memória, construí, assim, livro qual ponte que pretende reunir duas solidões, a minha e a dos que o leem, ação humana de combater ao desespero fruto do isolamento, pelo ato contínuo das palavras, a eternizar no tempo a mágica do papel.

Só isso, atitude que pretende romper o cristal da inutilidade das coisas que fogem, diante do poder das palavras e das pessoas. Um livro, uma vela, um navio, vidas que vêm e que vão no acaso das existências.

 

 

João Pessoa, Paraíba, 18 de novembro de 2006.  

segunda-feira, 21 de julho de 2025

A música das ruas


Outros tempos se não aqueles guardados na memória. Movimentos inesperados de automóveis, motos, caminhões. Ruas sem par. Um único céu e tantos valores em ação. Consciências. Trajes. Pessoas feitas habitantes desse imenso continente. Horas. As lojas. Os animais entontecidos na força do vento que circula. Tudo lembra lá de quando as horas passavam suavemente pelas folhagens, ao som dos pássaros, dos raros artistas que cantavam nas esquinas quantas e tantas vezes. Uma paisagem por demais perdida nas hostes do Infinito que tende a regressar na memória e dizer das histórias deixadas pelas calçadas,

isso que só agora revive o tempo nos restos de ilusões cicatrizadas dentro das gentes, de olhos vazios. Sei, são fragmentos desses mesmos intervalos que alimentavam toda gente, e resistem de contar a razão do que existiu, porém. Talvez ritmos alucinados de grupos de forró, acordes soltos de melodias inacabadas, presas na garganta dos derradeiros foliões de carnavais antigos. Nesses escafandros, braços estendidos a outras dimensões, eles transcorrem os sinais e abandonam aos sóis seus restos das mesas ali da véspera.

Vemos isto na face das criaturas, elas que interrogam de si o que jamais quiseram saber. Tocam as peças desse jogo enigmático, contudo longe de responder a que vieram, no entanto. Mas escutam fagueiras as vozes do silêncio, estalam dedos nas cordas dos instrumentos e repetem os velhos sonhos devorados pelos momentos. Quais quem apenas observava o desfile das tradições, desaparecem no mistério, ausentes que foram daquilo que os trouxe até aqui.

Assim os dias escorrem nas distâncias e amadurecem as estações, os firmamentos, as cores... Houvesse maiores motivos, decerto viveriam as circunstâncias de escutar as lições que deles imperam os filmes, os amores, nas silhuetas que transitaram pelos acontecimentos, instrumento de iluminar o Sol noites a fio.

sábado, 19 de julho de 2025

Mundo de máquinas


Quem diria que a vida na Terra chegasse a essa total dependência das máquinas por quase todos os lados. Andar daqui ali e entram no meio as máquinas de colher distâncias, movidas a biogás, a diesel, a gasolina, sentadas em pneus apressados. Quer-se comer fruta no café da manhã, entra em campo a máquina de fazer suco que estronda no silêncio da madrugada com seu ronco imprudente. Falar com o vereador para sarar os buracos deixados pelas águas fortes da estação passada, se pega no celular e chama. Pensar em vacinar bezerra recém nascida, chega o veterinário com máquina pontiaguda e fere o quarto da rês, na maior sem cerimônia, espanto da ciência oficial.

As notícias do dia rasgam os primeiros claros da Lua no vítreo ativo da máquina de imagem posta na sala de jantar, no dormitório e no quarto da funcionária, que conta os acontecimentos do mundo, que retornarão mais tarde, pelo jornal do dia seguinte, cedo saído às bancas, hoje visto nas telas matinais só a meia verdades. 

Escrever do próprio punho, nem sonhar. Há de ser tudo em forma de computador, para criar o bilhete que entra na rede e chega às casas mais distantes, nesse mundão de meu Deus.

Depois, rompe a vontade de um som nos ouvidos. Em seguida, os aparelhos eletrônicos prontos na medida, enfiados em fios ligados diretos no interior da cabeça, acionam a consciência auditiva dos jovens afoitos, excitados no drama das engrenagens fervilhantes.

Tudo, enfim, agora, que se busque, envolve uma desculpa na forma de geringonça. Sai-se do chuveiro elétrico e se pega a empunhar o secador, barbeador, alisador de cabelo.

Para cruzar a rua, uma máquina ordena que aguarde; que passe. Eleições e candidatos, as usinas de barulho que gritam nomes e siglas ao vento. Nisso, máquinas registram votos e vomitam resultados – enquanto nenhum papel serve por documento da escolha.

Os tempos artesanais ficaram na história, apenas. Cogitou-se viver, engenhocas funcionam, produtos mecânicos, analógicos e digitais, ao sabor das vitrines de lojas iluminadas, ficções de inúmeras possibilidades.

Assim, satélites artificiais decoram o firmamento. No mar, correm navios. No céu, aviões. Na terra, tratores, caminhões. Nas veias, petróleo, ácido acetilsalicílico dissolvido em soro fisiológico. Carboidratos. Colesteróis. Eletroencefalografias. No ar, essas ondas magnéticas de mil atividades econômico-financeiras, urbano-industriais.

Diante da neurose coisificada dos materiais animados, o expectador olha pela janela e avista um jardim. Acorda do pesadelo mecânico. Dissipa os véus da imaginação e move o corpo enferrujado. Esfrega olhos sapecados de insônia. Retira das tralhas esquecidas no velho jarro de barro. Revira móveis até encontrar a tesoura de poda, e corta do galho algumas rosas perfumadas. Com elas, arranja sobre a mesa o trunfo que lhe resta e admira o pouco que produz em criatividade nas garras do sistema das vidas artificiais e vazias dos momentos do presente. 


sexta-feira, 18 de julho de 2025

Diário de um espelho qualquer

 

A quantos deslizam afoitos na mesma superfície, quais aves de rapina da própria espécie nos longos trechos de histórias sem fim atiradas aos momentos e deles de novo recolhidas. Aspectos infiéis dos destinos; sonhos, imagens apressadas, conquanto jamais revistas outras vezes, sabem que deles inverto a fisionomia, deixando atrás de si meros fantasmas do que antes poderia ter sido.

Daí os dramas sucessivos das tantas conquistas territoriais construídas ao acaso da sorte, esquecidas que foram no espaço entre o imaginário e a fria realidade. Nem um, nem outra, no entanto. Perante os sóis, as dúbias fantasias, os mesmos trastes de supostas presenças logo agora invertidas a título de embriaguez humana. Um ser assim tão poderoso bem que, lá no tempo, enganaria até os deuses, a exemplo de Narciso, vítima das imagens com que contemplara no lago impossíveis verdades. Destarte, mero fragmento das superfícies acesas, ver-nos-iam a qualquer instante iguais nas lâminas de aço das consciências, abandonadas num simples olhar de vaidade.

Que outra senão essa embriaguez das ficções tornadas visagens de noites perdidas, na ânsia de achar na alma a liberdade que já carregam consigo e não o sabem, porém. E nisso recorrem encontrar da presença o ser que haveria de existir dalgum modo nalgum lugar. Deste poder inigualável de inverter verdade nas ilusões individuais, dali nasceriam certa feita os universos do egoísmo, das interpretações equivocadas e dos dramas.

Ávidos de desvendar o mistério das horas, eles tão só entregam da essência a melhor parte e se deixam arrastar ao mundo abstrato daquilo que buscam. Daí saem outros, tais fantoches abismados, maquiados, estarrecidos. E os séculos superam a ficção, se deixam mergulhar tal nos oceanos infinitos, pardacentas dúvidas dos passados transcorridos, esquecidos, abandonados aos disfarces que vêm buscar e neles perdem o senso.

Isto longe que seja de haver sucumbido à inversão da figura que tivesse consigo, nessa hora substituem o sentido que lhes trouxe aqui e sucumbem na solidão. Passam a percorrer o trilho da indiferença, tornam-se exibicionistas e fogem das verdades originais.  

(Ilustração: Narciso, de Caravaggio).

quinta-feira, 17 de julho de 2025

A fome das palavras


Espectros vazios a percorrer vagões sem fim desse universo tão pequeno lá de dentro das criaturas humanas. Só, tão só, meras frações do anonimato a revelar o que transportam, contudo em fragmentos de várias cores, de tantas formas, testemunhas isoladas, no entanto que reúnem largas histórias, narrativas sem conta doutros firmamentos ora desaparecidos. Trazem na alma o destino dessa infinitude. Conversam nos longos textos e os entregam ao silêncio de depois, ou de nunca mais, presas que ficam aos escombros desses momentos esquecidos.

Mesmo assim, trazem consigo as aventuras de toda existência de antes, entes escassos, visagens e solidão. Marcas fortes de quantas cicatrizes, dali fazem as guerras, as promessas de outro futuro, desde quando avaliações e jogos ficam largados ao léu de toda sorte. Elas, cascalhos das consciências e guardiães de infinitas memórias. Vultos isolados de epopeias e credos, alimento dos deuses e decisões apressadas dos mistérios astutos.

Veem-se que tal perdidas ao relento dos séculos e instrumento sórdido das aventuras errantes pelo solo da imaginação. Nisso, observam a si e descartam quaisquer possibilidades dalguma resposta por demais verdadeira aos dramas dessa humanidade indiferente. Luzes, por vezes. Noutras, sarcasmo, servidão e desgosto. Raízes de toda discussão, porém acesas aos gestos corporativos, ingratos. Sabem ter vida, sortilégio dos poucos que as dominam e delas são escravos, no contar das gerações.

Mistos de calma e dúvidas, apenas percorrem o senso das melodias nas noites, quais insones espectros feitos do tecido amargo do Tempo. Querem ter existência individual, todavia se restam mancomunadas aos objetos do desejo nas madrugadas frias. Espécies de instinto originário das necessidades desses que delas fazem uso, querem haver sem passar pelos gestos inúteis dos dias do quanto padecer, e abandonam ao relento os sonhos que trouxeram até aqui agora. Escutam, acreditam, insistem, verbos suficientes de conhecer os céus dos seus limites...

quarta-feira, 16 de julho de 2025

As razões e os significados

 

Houvesse de ser e o mundo tornar-se-ia humano por demais, fruto do chamamento das horas. Entretanto barreiras existem defronte de toda imaginação que as impedem desse término inconsequente de lutas e destinos através dos sentidos em movimento. De certeza persistirão até o Infinito, na ânsia de conter as multidões e seus instintos famigerados. Foram tantos os embates de séculos à busca desse encontro definito que ainda hoje viajam pelas estrelas as naves criadas em antigas civilizações no objetivo dessa descoberta dos motivos originais, aqueles que nos deram causa e nos transcorreram até aqui.

Perguntas nunca hão de faltar de tais possibilidades que outrora vieram seres mais evoluídos, e palmilharam o mesmo chão. Os rastros cruzam os céus e deixam marcas indeléveis disso. As próprias condições largadas no Tempo lá de onde viemos preenchem mil folhas de histórias, nítidos sinais do que venha de acontecer a todo instante. A presunção é de que sejamos os mesmos seres que antes estiveram no passado à busca de todos os motivos originais que nos trazem desde então.

Quais telas em branco que circulam a consciência de tantos, vagamos pelos sóis de olhos abertos ao inesperado das gerações. Longas as noites da imensidão de tempos vividos que ora invadem o pensamento e nos deixam assustados com tudo isso que somos, enfim. Conquanto as cicatrizes fincadas pelos viventes constam de nossa alma a título de servidão, nem de longe imaginaríamos a quanto isto redundaria nalgum lugar aonde fosse. Poderes inesgotáveis assim desfazem os dias nos fragmentos espalhados ao vento e refletidos pelas memórias individuais.

A vontade que se tem redundaria nessa pulsação contínua do espetáculo da Natureza de que sejamos parte integral a qualquer momento. Nós e os outros animais, no entanto, coexistem feitos próximos segmentos do que virá na justa certeza daquilo a nosso dispor, face a tudo quanto desde sempre nos observa e constitui as dobras do silêncio.

(Ilustração: Infinito, ChatGPT).

terça-feira, 15 de julho de 2025

Palavras e sentimentos

 

Nessa fúria dos tempos, diante das agruras estampadas na cara da multidão, a que destino ver-se-á acantonado à cata do depois?! Gosto acima de gosto, querem fazer e fazem. Enchem o tanque dos bordeis das luas do firmamento e dançam a sinfonia da satisfação pessoal, ilusão a perder de vista. Bom, mas a minha intenção é falar do que seja bom, das virtudes em pauta, das esperanças mil, apegos diferentes do que anda sombrio vagando pelas madrugadas frias... Rever os pensamentos, planejamentos, e começar uma história nova a surgir de dentro, das malhas do coração.

Chega de versões arrevesadas do que nos aguardaria logo ali nas curvas dos desejos. Sistematizar novas tradições, pois. Querer o que seja de novo aos passos que aí estão. Sustentar novas melodias aos acordes vagos do silêncio. Reverter a própria História no nascedouro dos indivíduos. À força de outras possibilidades, revirar o cordão de tantos equívocos e somar os dados positivos ao mistério das consciências. Isto, de encontrar de vez a que estamos aqui neste Chão.

Vejam que as falas contam, sim. Foram quantas produções jogadas na lama do inútil que, agora, se chega ao instante da safra boa das sementes lançadas no carinho dos sonhos reais. Daquilo que se vai do conhecimento, dos trastes equivocadas do que fora feito, dali nascerão novos amores, as verdades limpas, longe de perdidas ilusões. Isso da essência das criaturas sencientes, desencantadas de fantasias e sortilégios. O Ser qual matriz de si mesmo, na alma, na certeza.

Esse dizer conta de tudo um pouco a propósito das nuvens que passam latentes no seio das criaturas. Um a um, peças do mesmo quebra-cabeças, agora virá o roteiro da transformação em sabores valiosos, brilhantes, no senso de uma nova Humanidade original das esperas sensatas. Conquanto digam as palavras, compete aos autores trazer do credo os ensaios e a estreia desse novo Tempo emergente.

(Ilustração: O pagamento, de Brueguel, o Jovem).

domingo, 13 de julho de 2025

Os jardins do Paraíso

 

O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração. Fritz Lang (Metrópolis)

Depois das quantas buscas pela Arca de Noé, esquecida nos milênios, lá que um dia deram de cara com esse destino das massas humanas. Chegar-se-ia ao clímax do anonimato e descobrir-se-á o teto das alturas. Levas incontáveis, a deslizar nesse universo escaldante das horas, contudo de senso aberto ao inevitável, ao desejo de encontrar sinais da revelação que os possa desvendar tudo em quanto. São dessas dobras sem conta do mistério o que nos traz até aqui, mesmo que de olhos ainda fechados aos sentimentos.

Porém ciências incontáveis mergulham o impossível e refazem urgente necessidades a conter nas servidões do passado e mitigam instrumentos de compreensão através dos sentidos, da inteligência, que permitem traduzir da visão o princípio da Eternidade que mora nas mesmas criaturas fugidas pelo acaso das aventuras deste Chão.

A cada um, pequenos índices da humana descoberta. Todos, portanto, trazem consigo esses motivos de sobra a descrever, nos mínimos detalhes, a estrada e o reencontro. Destarte, nem de longe a imaginar fôssemos repasto das perdidas ilusões, pois. Herdeiros perenes da Criação, tocam em frente o barco da certeza diante da perfeição que ora consiste do coração de todos. Nexos feitos de natureza, juntam as mãos e persistem nas trilhas do inevitável.

A contemplar os céus do Infinito, seremos tanto mais de consistência a existir nesse mar de solidão e desaparecimentos. Lentes de porões a bem dizer insondáveis, no entanto só de viver ser-se-á suficiente preencher o vale das sombras de longos suspiros dessa ausência agora notada por meio da luz na Consciência que somos. Que a ninguém esteja o início das desilusões, dos desencantos, vistos códigos entranhados na alma e expressões definitas da Verdade e do Ser.

(Ilustração: Metrópolis, de Fritz Lang).

sábado, 12 de julho de 2025

Alho e óleo


Era década de 70 quando vivi em Salvador. Trabalhava no Setor de Cadastro do Banco do Brasil, na Agência Centro, situada no Comércio. Próximo a mim, no mesmo setor, Rômulo Serrano Filho também cumpria suas funções. Um dos bons amigos que viera de conhecer na Bahia. Artista plástico (desenhista e pintor) de respeitável qualidade. E sempre planejávamos que o visitasse em sua residência, na Rua Itabuna, no Rio Vermelho, perto da praia, isto nos dias de sábado, de folga no trabalho. Lá conversávamos um tanto, passeávamos pelas imediações até o horário do almoço, quando sua esposa, Dona Lucíola, tinha sempre surpresas valiosas a nos oferecer nas refeições. Numa dessas oportunidades, seríamos contemplados com um prato raro, macarrão alho e óleo, o que Serrano, inclusive, me avisara no decorrer da semana.

...

Tudo conforme o previsto, prato aquele a mim totalmente desconhecido, mas que saboreei com gosto até além da conta, sendo que, passadas algumas horas, eu pegaria o ônibus ao Centro, indo, de comum, assistir a bons filmes, diversão por demais do meu agrado, o que eu usufruía das tantas boas produções exibidas nos cinemas da época na Boa Terra. Daquela feita não seria diferente. Ainda meio enjoado pelo prato exótico que de há pouco experimentara, partiria ao meu lazer cinematográfico.

Num dos cinemas das imediações da Praça da Sé, o Tamoio, viria, daquela vez, um filme cujo título me chamara a atenção (Será o que o nosso herói conseguirá achar o seu amigo perdido na África?), dada a fartura de palavras nele utilizadas.

Assim, para meu espanto, no decorrer da trama da história, na viagem do protagonista pelo Continente Africano à busca do tal amigo, vejam só qual o prato lhe seria servido certa hora (macarrão alho e óleo), para meu espanto e aumento do enjoo que já me tomara o estômago. Mesmo daquele jeito, fiz da fraqueza a força e pude acompanhar o encontro dos dois, do herói e seu amigo ali perdido na África, ainda que ao custo dalgum esforço e maior concentração, naquela tarde que conhecera de tão rara alimentação, e nunca mais.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Mergulhos na irrealidade


Esses sonhos de querer os quais se perdem no vazio das horas. Sombras rápidas no inútil do impossível, as luzes desfeitas em pequenos fragmentos de pureza são logo adiante sucedidas a si próprias nos pensamentos, a oferecer tais soberbas condições que somem no passado. Tocar as vestes da lembrança e bem adiante mirar tão só o desconhecido. Aonde foram, jamais esquecem. As surpresas do inesperado feitas de ruídos à busca dos momentos inexistentes. E quem poderia haver nisto senão as bordas dos destinos da imensidão. Essa presença, vista nos caminhos e jamais reconhecidas pela alma das criaturas. De um lado, as presenças; do outro, ausências mil.

Na sequência natural de tudo, pois, a certeza das vastidões que nos contemplam de onde ninguém há de saber. Multidões sem fim, de formas a percorrer o Universo, depois tornadas em restos e relíquias, monumentos enigmáticos, trastes inúteis das mesmas consciências lá de longe avistadas e desaparecidas no séquito dos momentos desfeitos. Entre a dor e o prazer, correm apressadas, quais rebanhos de animais até então fantasiosos a morar no seio das palavras, sons estridentes de cantigas deixadas ao vento. Portas de paraísos artificiais. Mecanismos largados ao relento. Lojas de sobrevivência, no entanto perdidas nesses desertos estonteantes da sorte.

Quaisquer prodígios que fossem tornar-se-ia meros fatores de outras destruições dos tais instantes domínio dos instintos. Os filmes falam disso, oferecem margem aos reencontros, porém no branco e preto das produções abandonadas. Assim também os credos, as filosofias, os romances de estilo, as canções e os gestos. Fagulhas estonteantes do fastio. Mares do definitivo. Céus da solidão. Traços e códigos irreais inscritos nas noites e apagados no amanhecer. A veracidade disto preenche infinitas eras no sentimento de todos, enquanto as perguntas crescem a perder de vista. Pudessem percorrer o colo dos contentes e desvendariam o quanto ainda existe de certeza em tudo, portanto. 

terça-feira, 8 de julho de 2025

O curso de datilografia


Por volta de 1965, eu fazia o primeiro ano do Curso Científico, no Colégio Diocesano do Crato, quando resolvi aprender datilografia, prática em alta naquele tempo, utilizada nos escritórios de contabilidade ou em concursos para bancos e repartições publicas. Na frente do colégio, vizinha do consultório de Dr. José Nilo, havia uma escola dessa matéria, pertencente a Cesídia Alves Rocha, onde me matriculei no turno das 13h, com a aprovação de minha mãe, que aceitou me custear as despesas.

Terminavam as aulas do Diocesano às 11h30, ia rápido em casa (morávamos ao lado da antena da Rádio Araripe, no bairro Pinto Madeira), para logo retornar ao centro da cidade e desenvolver as habilidades no teclado das máquinas. Um tanto aborrecido, porquanto a distância implicava em perfazer longo trecho no horário mais quente do dia, sob a soalheira escaldante do princípio da tarde.

Seguia-se passo a passo manual roto que ficava ao lado das antigas Remington pretas, de antes da Segunda Grande Guerra, pelos exercícios seriados, organizados em blocos de repetições de teclas (asdfg, o primeiro deles) nas folhas que iam sendo colecionadas às vistas atenciosas da professora, senhora bondosa, gentil e seguidora fiel de cada aluno, ela mesma supervisionando as tarefas. Encontrados erros além da margem de tolerância, far-se-ia de novo toda a página, na aula seguinte.

Depois de algumas semanas de treinamento, os ombros do adolescente inconstante sentiram o peso da rotina. Quis desistir, no entanto via impasse crucial: Como chegar à minha mãe e lhe transmitir o inverso daquilo que dissera na hora de convencê-la da importância do curso?

Aguardei o instante que julguei próprio. Meio-dia, ocasião em que ela e meu pai se recolhiam para a sesta, do lado de fora do quarto, comuniquei a decisão de largar de vez as aulas. Como resposta, ali mesmo, ouvi boa coleção de vigorosos argumentos que me justificavam a permanecer no compromisso.

Então, de cabeça baixa, fiz da fraqueza a força, qual diz o povo, insisti em superar as limitações que desanimavam, até concluir todo o procedimento e receber meu primeiro diploma, com fotografia, festa de entrega e tudo mais que tinha direito.

Resultado, aprendi a digitar nas máquinas de escrever e não demorou que merecesse uma Olivetti Studio 44, que serviria de instrumento para aplicar a técnica. Passei a escrever com freqüência, desenvolvendo com isso a redação. Tomei gosto e daí a pouco produzia crônicas para as Rádios Araripe e Educadora, e consegui meu primeiro emprego no Jornal A Ação, ao lado de Antônio Vicelmo, Armando Rafael e Pedro Antônio Lima.

Na sequência dos acontecimentos, em fins de 1966, participei de concurso para o Banco do Brasil, cujo resultado determinaria a minha profissão por trinta anos, em cujas habilidades em datilografia e redação ocasionaram diferença fundamental.

Conto essas coisas querendo avaliar o quanto pesam as pequenas conquistas, elemento definidor do destino das pessoas. Longe ninguém chega sem reunir o empenho dos primeiros passos, orientação aos que iniciam jornada rumo do futuro. 

segunda-feira, 7 de julho de 2025

As lembranças esparsas


No decorrer da existência, alguns acontecimentos marcantes tendem a fixar raízes na memória, guardando relação estreita com a história pessoal de cada um, quais pespontos do tempo que transcorreu. Sem grandes virtudes, representam, no entanto, sinais da caminhada, estações de sentimentos, laços que revelam notícias de passado sempre aceso nalgum lugar.

A propósito dos eventos desse tipo, vínculos de aparente superficialidade, lembro momentos em Crato, na sua vida eventual, que sumiriam inertes no carrossel das ocorrências fortuitas, não houvesse deles a persistência de energia própria, a retornarem ao pensamento vez por outra, a se apresentam nas margens da visão mental e revelar voltagem e consistência na formação do estoque das lembranças acumuladas.   

A título de exemplo dessas recorrências, revejo a ocasião de uma visita que realizei, criança de oito a dez anos, a uma barraca de brinquedos que foi armada em rua lateral da Praça de Sé. Aquilo se fixou na minha imaginação, acho que em face do tanto de fascínio que sobre mim exerceram as peças expostas naquela noite especial. Apenas um lampejo de momento e permanece até estes dias, décadas transcorridas.

A idade, nessa fase, época das fáceis impressões emocionais, chega de volta por meio de uma outra marca, de quando estudava no Ginásio Pio X, no centro da cidade, e fui conhecer, coisa rápida, uma loja de presentes na rua Miguel Limaverde. Chamava-se o Bazar de Dona Zulmira, nome por si de valor mágico, porquanto dizia respeito a palavra usada nos contos orientais de Malba Tahan, dos autores de minha predileção nesse período, e que ficou de lembrança desse período.

Aquelas prateleiras cheias, de cima a baixo, de brinquedos apreciáveis, criariam painéis nas paredes dentro de mim, a funcionar semelhantes à composição do edifício permanente da pessoa interna da gente. Saberia depois que Dona Zulmira pertence à família de minha mãe, o que torna a lembrança melhor situada pela identificação afetiva do parentesco.

Lembro, também, de uma exposição de desenhos infantis japoneses que a Faculdade de Filosofia do Crato apresentou numa de suas salas de aula, no segundo lustro da década de 60. Trabalhos de beleza rara, que me tocaram o espírito, boa lembrança da época, e aqui comento o seu valor estimativo.

Já na adolescência, quando intensificava a leitura de livros sob a influência de meu Tio Nirson, e minerava preciosidades literárias na biblioteca da Filosofia, ano de 1965, participaria de um curso de jornalismo de curta duração, ministrado pelo frade holandês Venâncio Wileck. Isso despertou, sobremodo, o meu interesse pelas letras a ponto de me levar, logo no ano seguinte, a redigir para o jornal A Ação, da Diocese e, durante sete semestres, vir cursar comunicação na Bahia.

Jamais considerava, contudo, que essas chances despretensiosas abrissem gostos individuais e determinassem aspectos e seqüências inteiras da vida posterior.

domingo, 6 de julho de 2025

Huberto Rohden

 

Em 08 de junho de 1978, viajei de volta a Salvador, de onde viera para o Crato em março do ano anterior. Onze dias depois, nascia Ceci, dos meus filhos a primeira. Nesta segunda vez, morei na capital baiana até o final do ano, dessa vez retornando ao Cariri com ânimo de permanecer por longa data.

Dentre acontecimentos marcantes desse novo tempo de Bahia, recordo de uma conferência proferida pelo pensador Huberto Rohden, a que assisti num auditório situado na rua Carlos Gomes, que (se a memória não pratica das suas) pertencia ao Sindicato dos Engenheiros, aonde bem antes ouvira também o deputado Lysâneas Maciel, na cruzada nacional de redemocratização que lhe custaria o mandato e a carreira política.

Na ocasião, Huberto Rohden viera ao Nordeste inaugurar a TV Gazeta de Alagoas, sendo condecorado pelo governador Vivaldo Suruagy. No caminho, passara por Salvador e, acompanhado de seu editor, divulgara suas obras em noite memorável.

Esse autor, natural de Tubarão, Santa Catarina, nascido a 30 de dezembro de 1893, no povoado de Braço do Norte daquele município, escreveu dezenas de livros de cunho espiritualista, enfoque que denominou filosofia univérsica, de abordagem pedagógica, que visa orientar os seres humanos na busca do autoconhecimento e da revelação, em si, dos mistérios da realização plena de reais potencialidades.

Rodhen, egresso da Igreja Católica, onde recebera formação através da Companhia de Jesus, veio de romper com o clero e manteve-se a divulgar idéias de cunho pessoal, voltado aos conceitos cristãos, sem, contudo, deixar de estudar princípios da espiritualidade oriental. Marcou a intelectualidade brasileira pelo destemor com que abordava temas pouco encontradiços nos autores de sua época.

Quando acompanhava sua fala, rica de conteúdo ético e religioso, algo que me chamou a atenção, a causar espécie em minha imaginação: Via na sua pessoa como que a face superposta de uma outra, qual se transfigurado, a evidenciar no rosto traços evidentes de força luminosa, durante toda a conferência. Aquilo aguçou meu instinto de avaliação, porém nada pude concluir além da pura constatação do que ora quero aqui consignar.

Há, nas livrarias, diversos livros de Huberto Rohden, dentre os quais já li: A educação do homem integral, Rumo a Consciência Cósmica, Tao Te King (numa tradução sua), Deus, O Homem e o Universo, Porque sofremos, De alma para alma e Orientação para a Auto Realização.

Eis aqui uma afirmação que bem define o seu pensamento: Sem o encontro consigo mesmo nenhum homem realizará o seu encontro com Deus.

A zero hora do dia 07 de outubro de 1981, aos 87 anos, Huberto Rohden deixou este mundo, em uma clínica de São Paulo, cercado de amigos e discípulos, afirmando por derradeiras palavras: Eu vim para servir a Humanidade.   

sábado, 5 de julho de 2025

Seres exóticos

 

Dotados de todos esses talentos, ainda assim perseguem fantasias e plantam árvores inexistentes pelas calçadas e cidades. Às vezes, reconhecem serem que tal e atravessam os desertos quais sobreviventes de grandes crises no tempo lá atrás. Acondicionados, pois, dentro desses acolchoados brilhantes, transitam pelas horas feitos escravos de si mesmos, e gostam de ser dali deitados na lama dos desejos. Fazem de um tudo. Sintonizam as faixas cotidianas, alimentam discursos inexplicáveis, esgotam tanques e tanques de tratados monumentais, estirados fieis pelos dentes dos dragões em volta.

Conversam, ouvem os pássaros, o vento, as sirenes das ambulâncias, das viaturas policiais, tais pedestres em ruas escuras, nas noites das capitais. Querem dos céus a salvação, todavia afeitos aos instantes que lhes fazem a cabeça no devorar das entranhas. Às músicas guardadas nas máquinas, abandonadas pelas gerações, veem os cães, gatos, patos, capivaras, nas telas a fervilhar as linguagens só agora esquecidas.

Apreciam lendas, roteiros turísticos, antigas ruínas, símbolos, vestimentas esquisitas, tatuagens espalhadas pelo corpo atormentado das expectativas inúmeras. Sobem, descem escadas, ladeiras, parques de uma civilização que nem existe que seja.

Nessa busca desarvorada, sobrevivem aos séculos e escondem entre as visões o que sumiu no anonimato, nas heranças, nos pactos, isto em velocidades sempre inesgotáveis. E eles vão cabisbaixos, ansiosos, autônomos, cercados desses códigos que correm pelo juízo de vez em quando. Encapuçados entre dois hemisférios, padecem do sonho escamoso das consciências que os têm.

Bom, instantâneos de ambição os retém aos sóis, essas massas informes de contradições e prazer, e satisfazem os avanços da tecnologia que criaram, blocos informes de pensamentos e sentimentos, chamas e dúvidas, habitantes que foram doutros universos de que pouco ou quase nada conhecem, porém deslizam afoitos pelas trilhas dos contentes, e vivem audazes os momentos inevitáveis do dia.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Mar de variações


A insistência com que os acontecimentos transformaram a criação original de tudo hoje carrega em si o desejo de multidões inteiras, na fome de continuar aqui enquanto as peças caem dos tabuleiros e já invadem sem dó os destinos em volta. Por mais que recuperam as possibilidades anteriores de renovar o mundo, mesmo assim nem sempre seriam certas as vitórias desses exércitos adormecidos na alma das criaturas em movimento. Meros ritos de tradições até então desconhecidas, prevalecem, contudo, as antigas intenções de, outra vez, delimitar o espaço e guardar na inconsciência as normas desde nunca esquecidas de força e medo.

Nesse poder que têm as falas de reverter os segmentos de aonde poder chegar um dia crescem pelas ramas e desaparecem nos desertos em volta. Somam lembranças sucessivas de tantas histórias, contadas e depois esquecidas, que o jeito de esquecer significa agora nada além da vontade dos que desaparecem sem deixar quaisquer sinais. São vistos nas ruas e, em seguida, não voltam a ser notados. Eles, os personagens de vidas e vidas. Às vezes aclamados em praça pública, porém largados de fora ao primeiro desassossego coletivo. Tais figurantes de um circo imaginário, espécies de assombração do Paraíso, sustentam o pouco que restavam de coerência e mergulham nas águas do Infinito, e permanecem ocultos no porão das maravilhas.

Isto a provável compreensão das existências desses seres quais nós próprios, feitos manequins de palha atirados ao vento da sorte. Quer-se encontrar as portas do sentimento e terminam cercados de ilusões, por isso desfeitos em números tão só inexistentes. Submissos aos instintos, padecem do transe voraz das gerações e, sem querer, submergem num oceano de aventuras errantes, observadores contumazes das paisagens e dos delírios sórdidos.

A servidão ao inevitável, portanto, passa de percorrer, de olhos acesos, a tela do horizonte, na ânsia mordaz das feras entontecidas. Ah, humanos que fossem ser-se-iam aves de rapina das montanhas distantes, no vácuo da imaginação.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Autodeterminação dos povos


Perante a atual política norte-americana de trazer à América Latina seus efetivos militares para resolver problemas nacionais da Colômbia, ressurgem lembranças preocupantes do tempo em que havia os conselheiros militares no Vietnam do Sul, no Camboja, Laos, Brasil, Chile, com resultados pecaminosos.

Medidas que dizem respeito à violação da livre iniciativa dos Estados nacionais implicam na redução da soberania, impondo política externa fracionada ao sabor de nações mais poderosas, o que resulta em retrocesso nas conquistas de séculos de lutas e sofrimento, no binômio do fraco contra o forte, no direito da força bruta em detrimento dos avanços igualitários posteriores à Revolução Francesa.

Ainda que situações conjunturais imponham atitudes de força, isso compete aos líderes e às instituições dos povos livres e suas organizações políticas individuais.

A concepção de uma nova ordem produzida nos transes posteriores da Segunda Grande Guerra reeditou a Doutrina Monroe, que antes implicara na invasão orquestrada das nações americanas, pretexto da salvaguarda democrática do continente, segundo definia.

Em mensagem ao Congresso americano, o presidente James Monroe considerara serem os Estados Unidos contrários ao colonialismo europeu, com base no pensamento isolacionista de George Washington, de que a Europa tinha um conjunto de interesses elementares sem relação com os nossos ou senão muito remotamente (Discurso de despedida do Presidente George Washington, em 17 de setembro de 1796), e ampliava o pensamento de Thomas Jefferson segundo o qual a América tem um Hemisfério para si mesma, jeito de estabelecer o conceito de um continente americano como o seu próprio país.

No entanto mudaram os tempos. Experiências múltiplas concederam o mérito de cada nação independente fustigar os seus próprios impérios da lei, aspecto dos novos tempos de graves decisões.

Por isso, as providências estadunidenses ora adotadas de avançarem nas fronteiras externas à sua federação reduzem as margens de autonomia dos povos latinos, o que lhes reedita triste e ilegítimo papel de fiscal dos demais povos das Américas, motivo de apreensão e escrúpulo, visto o preço pago nas ações anteriores de épocas recentes, já na segunda metade do século XX.

terça-feira, 1 de julho de 2025

O instinto das palavras


Qual quem acorda de longo sonho e sai a procurar o que se dera, tocando as paredes da memória na procura do sentido daquilo quanto há pouco sonhara, palavras são assim, ânsias constantes de rever o que ocorre dentro dos pensamentos que talvez sejamos nós. Tais desejos incontidos, saem feitas significados na busca de justificar as existências, valem de meros sorteios de uma loteria imaginária. Enquanto os pensamentos, esses nascem aflitos dos sentimentos e a elas sobrevivem à custa desse impulso inevitável de gravar nas horas razões que as justifiquem.

Vez por outra, na fome de alimentar o Destino insaciável, elas querem deter a velocidade das lembranças, no entanto ainda prisioneiras da causa que lhes deram origem. Trazem detalhes nunca levados em conta, porém só agora necessários, a satisfazer vidas em movimento. Inscrevem aspectos antes passados em branco, sorrisos, prazeres, alegrias, isso numa insistência jamais considerada naquelas ocasiões iniciais. Carregam consigo, pois, um fulgor de poder sem par. Fortificam aspectos das pessoas sob o âmbito das saudades deixadas pelos céus do coração.

Palavras, palavras, palavras... Contos vários de valor inigualável ao poder da consciência que nos carrega nas vísceras durante toda Eternidade. Longe delas, o que seriam as emoções, os instantes prazerosos das noites, dos dias em queda livre através dos firmamentos?! Isto a ponto de demonstrar que seriam elas quem existisse, não nós, somente. De todas as cores, formas, deslumbramentos, constituem o dizer das multidões mais irreverentes, espécie de trilha do mistério onde habitamos afoitos e interrogativos.

Por isso, quanto empenho no dizer das criaturas humanas espalhas pelo Chão. Quase a descrever de si mesmas o que convém, o que pensam e esperam desse vazio multiforme das contrições ao nosso lado. Entes próximos dos enredos fugazes a transpor muralhes infinitas, elas sustentam nas próprias garras os derradeiros motivos de estarmos aqui jornadas afora.