segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Rainha depois de morta

Naquele tempo, as relações entre os reinos de Portugal e Castela seguiam-se tensas. Vale dizer que Portugal resultara do desmembramento de parte do reino de Castela, hoje Espanha, esta que muito e sempre quis reintegrá-lo, desde que houvesse chance.

Vieram nesse contexto as desconfianças profundas do soberano português, Afonso IV, por causa de tempestuoso romance do príncipe herdeiro Dom Pedro com Inês de Castro, linda jovem de família de Castela e dama de companhia da Princesa Constança, sendo que esta era a escolhida para noiva de Pedro.

Afonso olhava com profunda antipatia crescer as suas preocupações políticas entre os dois povos. A arrebatadora paixão do príncipe, no entanto, resultaria em alguns filhos do casal dos clandestinos amantes.

Em 1435, após Dom Pedro ficar viúvo de Constança, casar-se-ia às escondidas com Inês, segundo afirmaria em épocas posteriores, a justificar assim sua firme disposição de se manter sozinho no exercício do reinado, que chegou a ocupar com a morte do pai.

Por temer que seu filho conspirasse a favor da reintegração de Portugal a Castela, pela influência de Pérez de Castro, o pai da bela Inês, Dom Afonso organizou o episódio trágico perenizado por Luiz Vaz de Camões, no canto III de Os Lusíadas.

Numa ocasião em que o príncipe Pedro viajava para caçar longe das cercanias de Coimbra, onde vivia com Inês, Dom Afonso maquinou cruel sentença e invadiu o lar da jovem, prendendo-a e matando-a de modo torpe, além de lhe cortar o pescoço.



Tais contra Inês os brutos matadores, / No colo de alabastro, que sustinha / As obras com que Amor matou de amores / Aquele que despois a fez Rainha, / As espadas banhando e as brancas flores, / Que ela dos olhos seus regados tinha, / Se encarniçavam, fervidos e irosos, / No futuro castigo não cuidosos.


No regresso, dor imensa feriria D. Pedro ao descobrir o infausto crime. Em razão, a partir do homicídio, conflito sem precedentes desenrolaria nas relações entre ele e o pai.

Anos depois e Dom Pedro se tornaria o Rei de Portugal.

Das suas primeiras providências quando chegou ao poder foi ordenar a completa exumação dos restos mortais de Inês de Castro, desenterrando-lhe o cadáver e determinando sua coroação no trono de rainha, em meio às pompas do cerimonial palaciano. O espectro restaria exposto à reverência de toda a corte estupefata, rito acompanhado de perto pelos olhos frios do monarca endurecido.

Eis a história de quem depois de morta tornar-se-ia Rainha de Portugal.

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