sexta-feira, 3 de junho de 2011

O realejo desaparecido

Quando tinha nove a dez anos, ganhei um realejo, presente de um operário da serraria de meu pai, Pedro, amigo meu e de meu irmão. No mesmo dia, ambos dele recebemos presentes idênticos, belos realejos cromados. Aquele instrumento mexia comigo, apesar de nada conhecer de música além das melodias da vitrola do meu avô e das primeiras escutas radiofônicas, pois sabia que ele guardava em si todos os segredos musicais ao dispor das pessoas.

O tempo veio passando, como gostamos de dizer, quando na verdade nós é que passamos através do tempo, e um dos amigos da nossa Rua Padre Ibiapina, em Crato, admirou sobremodo o realejo. Sabia de minha afinidade com revistas em quadrinhos a ponto de pelas tais abrir mão do mimo precioso. Cercou que cercou, e cercando trouxe proposta irrecusável, permutar uma boa partida de gibis pelo misterioso presente musical, que mudaria de dono em fração de poucas semanas, para nunca mais retornar às minhas mãos desavisadas.

Porém o tempo, sempre o tempo, refaz as caminhadas, e hoje encontro na música momentos inolvidáveis de raro conforto, horas de valia inestimável. Escrevo não leio e recorro aos acordes tocados de outros, agora fácil nas aquisições por meio dos recursos da comunicação contemporânea. Nisso refaço o percurso das histórias vividas em outras fases, mergulhando nas pesquisas, andando de país em país, nas épocas, nos estilos, feito caçador implacável, trabalhando galáxias de sons, sequioso de preencher os velhos sonhos auditivos que larguei pelas vaidades.

Assim, tal quem busca reencontrar amigo que sumiu na multidão, manuseio as oportunidades que aparecem nas músicas ouvidas, no sentido de localizar em que gruta se escondeu aquele fugaz instrumento que andara tão pouco em minhas mãos e escapara num ato de comércio precipitado. Ainda segui gostando dos quadrinhos algum período, apego desfeito para os livros, meus grandes e fiéis companheiros nas jornadas desta vida. Contudo a imagem do realejo permaneceu guardada na retina das lembranças. Representa o símbolo de meus trastes musicais adormecidos. Cheguei a estudar violão duas ou três vezes, no entanto de olhos voltados aos interesses múltiplos, trabalho, namoros, viagens, estudos, algo fora do foco principal. Começava e largava com igual facilidade, sem perseverar do jeito certo.

Nesta fase da existência, quando principio arrecadar os apurados de raras conquistas e limpar os armários das vacilações, até já adquiri um outro realejo, bonito e silencioso, fabricado na China, tanto quanto, de charme a toda prova. Mantenho-o por perto de mim, na gaveta principal do guarda-roupa, espécie de amuleto sagrado. Esse jamais alguém desejou, nem deixo à mostra para não correr o risco. E vou fundo, nas horas de só escutar música, sabendo que há segredos nesse universo bem maiores que guardaram as revistas e os livros daquele menino, das melhores revelações trazidas pelo querido realejo perdido lá na infância.

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