quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

A cordilheira dos sonhos


É preciso ter o caos dentro de si para gerar uma estrela bailarina. Friedrich Nietzsche

Há que se fugir de tudo, menos de si mesmo. Universo exclusivo, assim é o todo de um a um. Face ao instante, tão só no crivo da individualidade perdura, diante do quanto existe o Tempo. Criaturas a mover seus próprios escombros, chafurdam os céus e constroem as malhas donde e aonde vivem. Ainda que tanto, insistem na presença, apenas isso contém e determina. Autores, atores, expectadores da mesma cena, tal e qual, portanto motivo de todas as tradições, espalham no vazio sua fama e tocam o barco dos louvores e das horas, submissos que sejam às condições de existir. Bem isto, maestros das contingências e senhores deste mundo pessoal a que rendem reverências no altar dos sacrifícios.

Nesse território habitam, únicos seres, no entanto raiz de quantos demais que os constrangem pelos desertos afora, pastores de rebanhos mil. Têm prazo de chegar nalgum canto que nem sabem onde. Porém ali os aguarda pelotão de avaliadores a trabalhar o crivo da consciência que já trazem consigo vidas e vidas que foram. Por mais sintam liberdade, contudo apenas obedecem, pois haverá esse momento da prestação de contas.

Enquanto isto, aqui, olhos postos nas trilhas estreitas entre o caos e a virtude, perduram dentro do espaço estreito das dúvidas e atitudes, presas de conhecer o desconhecido que trazem na alma.

Peças brutas lá dos inícios, aperfeiçoam o deslumbramento, feitos entes minúsculos em volta de árvores que os cercam. Nessa vestimenta, preenchem o roteiro traçado de alguém, superior dotado das qualidades definitivas da Perfeição. Eles, ali postos no pavilhão dos sonhos, observam e exercitam revelar as razões do firmamento e jamais abandonam o pacto firmado desde sempre, e esperam vir, no horizonte que plantou, o sentido de estar na história enquanto Ser.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Buda, a luz da Ásia


No século VI a.C., os pequenos reinados da Índia viviam em constante luta. Nesse período, havia, na Ásia, uma onda desenvolvimentista nas ciências, artes e idéias. Por volta do ano 523 a.C., no reino de Kapilavastu, pequeno país de guerreiros da etnia dos Sákias, onde hoje existe o Nepal, nasceu Sidarta Gautama, depois conhecido por Sakyamuni, o Sábio dos Sákias.

Seus pais se chamavam Rei Suddhodana e Rainha Maya.

Numa viagem que procediam com destino ao palácio de verão, no bosque Lumbini, às margens de um rio, a rainha sentiu as dores do parto e, sobre folhas de lótus, trouxe à luz o menino Sidarta. Conta a lenda que, nesse instante, o tempo inundou-se de perfume, choveram pétalas de flores do céu e ouviram-se cânticos celestiais de louvor e beleza. Sete dias após, a rainha Maya morreu, deixando ao marido a educação do filho.

Mais algum tempo passado e o soberano, agora casado com um irmã de Maya, quis saber o que reservava a seu filho o destino. Buscou, então, nas encostas do Himalaia, um sábio que lhe disse que o príncipe tornar-se-ia poderoso monarca de muitos exércitos ou viria a ser um sublime religioso.

Suddhodana indignou-se face à segunda possibilidade. Daí cuidou de cercar o filho das pompas da corte, nas benesses do reinado. Farei dele o seu sucessor. Jamais permitiria conhecesse os males do mundo, as doenças, a velhice, a pobreza, os desgostos e as contradições, coisas que viessem a estimular seus sentimentos religiosos.

Para onde seguisse, emissários do reino, à frente, disfarçariam todas as circunstâncias, evitando ao máximo que soubesse das fraquezas existentes nos lugares onde andasse.

Na idade adulta, fez-se-lhe a tradicional escolha de uma esposa. Ao encontrar Yasodhara, sua bela prima, Sidarta a ela resolveu em casamento.

Certa vez, contudo, a segurança deixou de cumprir o papel de isola-lo da realidade material e ele, driblando o zelo do pai, fugiu solitário num passeio noturno, a se deparou com as tristezas existentes na Terra.

O impacto causou no jovem reação extrema. Viu de perto o sofrimento em que a vida carnal se resume no caminho para a morte. Também encontrou um monge-mendigo, que explicou sua escolha de buscar a libertação interior e exterior.

Sidarta, pai de um menino de nome Rahula, nesse período, resolveu abandonar a corte e sair pelo mundo. Despediu-se da esposa, levou consigo um serviçal e, à meia-noite, a cavalo, ele cruzou, os portões do palácio rumo ao desconhecido.

Muito distante, o príncipe trocou suas roupas com as do servo, devolveu-lhe a montaria, mandou-o de volta e seguiu mendigando pelas estradas e vilas.

Largos anos transcorridos e viria Sidarta a rever seus familiares, isso quando já se afirmara na trajetória de a que se propusera, de compreender a jornada pela Verdade plena.

Primeiro, quis conhecer os ensinos dos mestres daquela época. Juntou-se a cinco outros andarilhos e saiu a peregrinar. Realizou jejuns e sacrifícios intensos, sob o costume dos povos orientais.

No entanto, após três anos dessas práticas mortificadoras, viu-se à beira da penúria, magro e debilitado. Nesse momento de agonia, concluiu que a resposta se acha no meio e não nos extremos, razão que o levou a abandonar de vez a experiência prejudicial, espantando com isso os companheiros de busca, que viram nele alguém desprovido de resistência. Uma donzela alimentou Sidarta até restabelecer-lhe a saúde. 

Refeito, o príncipe sentou-se à sombra de um Fícus religiosus, árvore frondosa do bosque adiante conhecido por Buda Gaya (local de iluminação), e resolveu permanecer a meditar.

Saíra de casa há seis anos. Aos 35 anos, numa madrugada de lua cheia, ao brilho da estrela Matutina, Sidarta Gautama completava seu processo auto-revelador, ao chegar na cessação absoluta do sofrimento pela concentração mental, no completo domínio do pensamento.

Nessa hora, percebeu que em si mesmo reunia as condições suficientes de chegar ao que tanto almejara, porquanto só assim existe a descoberta verdadeira. Ainda tentado por dançarinas seminuas e por Mara, o rei dos demônios, Sidarta Gautama seguiu no controle firme da vontade, e chegou à suprema Realização. 

(Ilustração: O que é o Budismo https://cebb.org.br/o-que-e-o-budismo/).

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

O luar da ficção

                 

Desde muito e todos aqui percorrem seus caminhos, por vezes perdidos nas jornadas de agora, ou pouco cientes de aonde querem ir. São eles, os seres na face dos firmamentos. Milhares. Milhões. Bilhões. Vagos trâmites de palavras e gestos, e um objetivo qual seja. Nisto, as falas descrevem o sentido das infinitas jornadas nas fases mais diversas, a escutar o silêncio do Cosmos em movimento incontido. Desde antigamente vem sendo assim, os habitantes de florestas e cidades a trocar de vestimentas e sonhar nos dias mornos.

A quanto serve de razão a que aconteça transitar em toda parte, inclusive pelas ânsias pessoais. Antes de tudo, todos significam interrogação diante do horizonte das eras já hoje inexistentes. Neste ar das tantas perguntas, persistem os escombros dos que já se foram, rascunhos dos que chegam e depois esvaem nas sombras. Traços inscritos nas lápides em códigos magistrais. Há esforço vário de interpretar as normas do Destino. Quer-se a todo custo desvendar o mistério que o compõe. Bem isso que resume a técnica de haver estado a navegar pelos mares bravios do Infinito.

Isto sejam meros expectadores das próprias histórias que descrevem o percurso de epopeias, romances e sinfonias, sob o crivo de leis imutáveis então desconhecidas e que insistem deter seus traços nesses viajantes do Tempo. Daí os enigmas a decifrar que o somos, independente das opiniões pessoais igualitárias. Ainda que nem fosse tal e qual, no entanto perlustraríamos o senso da solidão, espécies de vultos insólitos em mundos individuais. E vivemos o desejo da perfeição que nos trará paz e alimenta nossos céus de torpor e amabilidades.

Lá de fora já sabem a que vir, restando, pois, os mergulhos na alma que os esclareça. Descrever o transe da existência ao modo de deuses que nunca viram, mas respeitam por demais. Totalizar os segredos que trazem consigo da melhor forma, e sobreviver ao passar das estações, eis que vêm à busca de uma certeza maior.

 

domingo, 26 de janeiro de 2025

Há um ser vivo dentro do coração


No que pesem as guerras históricas sucessivas desses povos guerreiros, mexe vivo lá dentro das feras a engrenagem que os agita todo instante. Mesmo não fossem as grandes competições pelo território enfumaçado e pelos mercados indomáveis, haveria de aparecer no vasto horizonte novas vontades extremas de alimentar o outro animal, diferente daquele sedento de sangue e sádico de miséria, bicho sombrio das noites escuras e dos filmes dagora. Os mecanismos da fama insistem nisso, na suposição profética de que virão homens azuis, que, inclusive, já foram avistados no Egito Antigo e ficaram gravados nos desenhos das catacumbas, nas pirâmides empoeiradas, e certo dia, em pleno calor das onze horas, exemplar deles saiu às pressas de um restaurante no centro de Buenos Aires levando consigo mantimentos que iriam abastecer os companheiros à espera que ficaram em nave estacionada ali próximo. Depois, nunca mais outras notícias vieram à tona, a não ser através dos relatórios de pilotos comerciais, e só.

No entanto insisto dizer que sinto tal ser vivo que remexe querendo sair de dentro do imenso coração que pulsa e domina as circunstâncias das horas e dos dias. Possível seja, haja chance, ele até tomará de vez por todas de conta do Universo inteiro, porém as reservas do tempo ainda permitem que permaneçam acantonados, eles, invés de abafar os outros armados que persistam criar problemas nas fronteiras e aliciar profissionais da morte através das páginas de guerra que circulam pelo mundo, os tais mercenários. Esses, a troco de eliminar adversários dos regimes, saem destruindo a paz e espalhando fome, órfãs e viúvas, enquanto o ser vivo aguarda sua hora de entrar em cena.

Nesse meio de época, pulula nos corações multiplicando possibilidades e esperança, pois carrega poder estonteante em forma de luz, que vem dele na direção das consciências. Mantém os arquivos em ordem e recupera programas antigos de saudade, lembranças dos amores que existiram entre os seres humanos fiéis, sabores doces dos apaixonados lenços acenando e das promessas de quem retornará com ânimo definitivo na intenção de permanecer para sempre nas almas santificadas.

O império da vontade


Não confie em sua mente para a libertação. É a mente que o trouxe à escravidão. Vá além dela completamente.
Nargadatta Maharaj

Isso de liberdade está na origem das ilusões, e esgota nos desejos não satisfeitos, nas malhas de uma vontade apenas parcial, atirada, difusa. Quer-se a todo custo, porém há que defrontar com determinações maiores da personalidade. Tais aprendizes, os seres invadem o campo da cogitação e pretende determinar caminhos incertos. Nesse momento, avista soberano o que significa imaginar ser livre, e só. Portanto, as tantas leis e condições a serem obedecidas viram submissão ultrapassada em tudo aquilo de pensar em autodeterminação, porém meros desperdícios da sorte.

São os tais caprichos individuais que abrem as portas da ilusão. Ânsias de conhecer o vasto mundo externo e, daí, vêm as vacilações até o desânimo final. Vidas e vidas assim acontecem. Despejar a fome no esgoto e sentir satisfação arrevesada. Os vícios, excessos de todo gênero, as inúteis aventuras do desencanto.

Nisto, a vontade impera qual quem pode, e pode, porquanto a aceitação de tantos nos corredores do engano da matéria. Andar, andar; nadar, nadar, e morrer na praia. Bem a cara dos humanos em face do desconhecido e dos apegos sem razão. Tais escravos de si, ficam retidos nas malhas de tantas redes que esquecem a conta de evoluir. A história percorre, nisso, os desafios, os dilúvios, hecatombes diversas espalhadas pelo chão.

Depois é que chegam as epopeias de alguns raros a buscar conhecer de perto os mistérios das contrições, e se permitem vivenciar outros aspectos, a título de revelar sua verdadeira essência, a qual nos alimenta desde sempre. Os místicos, os santos, heróis da consciência; persistem nesse mergulho interior, aonde vencem a natureza bruta e, por fim, desvendam a que viemos através dos sonhos reais de Iluminação.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

A dividir o silêncio


Lendas e lendas falam das noites iluminadas, se não, das nuvens escuras que preenchem o espaço entre os dias, no entanto pouco avaliam o quanto importa escutar as luzes do silêncio adormecido. Ainda que permitindo, por conta das movimentações da natureza, raros ouvem o mistério que percorre as consciências. Face aos anseios de escutar as tantas histórias, nisso escrevem notas à margem e insinuam novas aventuras nos universos do Destino, a conceder chances de assistir aos espetáculos fantasiosos lá da primeira infância.

Nessa sublime jornada, o intervalo dos dias possibilita que entremos de volta na caixa dos segredos guardados e achemos, dos mesmos instrumentos que tocaram o coração da gente, algo assim por demais interrogativo. Dos sonhos, das poesias, recolhemos sua melhor parte e distribuímos devagar nesse perpassar das presenças soltas na imensidão, fazendo-nos quase meros viajantes das jornadas intermináveis. As palavras sabem de cor o transitar destas cenas, acondicionadas pelos vales sombrios das lembranças mais antigas. Trazem sempre as mesmas estruturas. Impedem, muitas horas, de oferecer os alimentos da inocência aos seus interlocutores, no entanto largam pelas estradas as sementes preciosas que os guiam nas sequências intermináveis de todas as delícias do coração.

Disto, do silêncio, retiram minúsculos sons, e deles reconstroem a caminhada. Sabem, sim, narrar de tal modo, contudo insistem desconhecer o jeito próprio de tudo isto acontecer nessas dobras do Infinito. Ao aquietar o senso das memórias, se encarregam de fervilhar dentro do pensamento, espécies de criaturas independentes do que desejam, contrafeitas e inesperadas. Elaboram gravuras imensas de compreensão e arrastam consigo estes que hoje pensam destruir.

De escutar os suaves acordes das melodias sopradas pelo vento, perpassam jornadas valiosas nas entranhas desses animais soltos nas praças, senhores de si, todavia amestrados nos desejos e presas das finalidades só daqui deste pequeno chão, guiados aos sóis da Eternidade, logo ali adiante.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

As árvores do Paraíso


Ao chegarem ali, andando dias inteiros, resolvem se aquietar debaixo de uma delas. Logo qual?! Invés de uma figueira, logo uma macieira frondosa. Daí, toda essa história que circula vidas a fora, rumo da expulsão lá mais adiante, ao pagar do fruto proibido. Os dois, no auge do susto, mesmo assim definirem viver aonde sentir fosse impossível de sentir a ausência um do outro, lado a lado, nisso dessa longa jornada até aqui, a criar os filhos, construir a casa e sair pelo mundo, tais desconhecidos de si mesmos, à procura do pão, no entanto servos da amabilidade. Eles dois, porém muitos.

Algum dia, talvez, achem de imaginar pudessem haver escolhido a figueira, a mangueira, o sapotizeiro, qual que fosse, carregada de frutos saborosos, contudo menos avaliado na luz da libertação da consciência. Sempre haverão de transportar séculos adiante aquele gesto. Dotados dos mil penhores, chegariam, quem sabe?! ao teto das presenças cercados de outros sentimentos, ao menos que fossem de valor menor perante os céus. Reduzidos, pois, a protagonistas de menor teor de compromisso, todavia afeitos aos carinhos de outras sortes.

Haveria, por certo, responsabilidade que produzisse prazer sem tamanha vastidão?... Existir livres de roupas, de pudores desgastantes; reduzir a fome de encontrar quem quer que fosse a inteirar o par do outro pé, no tamanho, na forma, matiz, isso tudo na proporção do que a isso fosse determinado nas leis do Universo lá distante.

Em imaginar tais circunstâncias dos que vivem vagando pelas florestas à busca dessa árvore refeita do equilíbrio entre querer e poder, pensamento e sentimento, atores independentes no drama da Criação. Horas e horas, ficam, assim, a contemplar luzes no horizonte, nessa intenção proporcional às reais necessidades do corpo, e melhor conveniência ao querer da alma; fortes instintos de conhecer a luz no ser que o somos a todo momento, entre palavras e gestos pessoais.

(Ilustração: Adão, de Michelangelo Buonarroti).

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Viver o presente

 

Isto que indicam os mestres espirituais: Achar um meio definitivo entre o que passou e o que virá, e nesse ínterim assentar bases de sustentar o senso e persistir contente pelas abas do Destino. Tarefa por demais, eu sei, sim. Conquanto os âmbitos de existir, saber-se-á, só define a tal finalidade. Sobreviver, por certo, viver acima de um agora intermitente, inextinguível; estabelecer as próprias estruturas no chão da infinidade desses vultos vagos escondidos na imensidão dos céus.

Disso provém deixar à margem tanto dramas quanto comédias do que restou nas caminhadas e permitir, debaixo dos acontecimentos, a medida do que tragam e depositem no tempo dagora esse fluir sem conta.

Assim, repassar a vista pelo dorso dos livros das estantes, que significa teclar nas vivências bem ali guardadas dos muitos autores, senhores daqueles instantes escorregadios vistos de longe, de soslaio. São as palavras a consistir de igual compreensão. Fazem reviver no coração das pessoas emoções acumuladas e trazidas de volta à baila pelo mistério das consciências. Ditos, conclusões, depois nada mais senão meros fantasmas do que se foi sumindo debaixo das esteiras do Infinito, numa ausência solene, mordaz.

Escrever tem essa mágica, contar da gente, das horas, do som, dos rios descendo pelas encostas, chuvas, pássaros canoros; galos a cacarejar o dia todo; falas, música distante, teclas insistentes, impacientes; histórias, sinais de outros espectros abandonados de dúvidas; esse tanger de estruturas nas paredes lá de dentro das criaturas invisíveis. Buscar razões de estar e dizer, e fazer, ou calar; permitir o transe do que aconteceu e atravessar os depois sem pausas, nem rimas.

Lembrar, eis o que as palavras, escutar silenciosamente as passadas no dorso dessas relíquias vendidas a preços módicos nas lojas de quinquilharias, nesse mundo afora. Conduzem o rebanho das recordações e arrastam consigo certezas várias de escriturar na alma o desejo audaz de sempre existir nalgum instante que seja do além.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Duas realidades


Tempos do sem fim é o que se vive. Depois de existir, resta agora conhecer a que viemos. Isso bem diante de um espelho, no império da razão. O presente e o pensamento, este por vezes presa do passado, ou o de um futuro imaginário. Tudo resume, pois, encontrar a sintonia perfeita de nós com nós mesmos, distância, a bem dizer, infinita. Seremos esse agora em movimento na tabela das horas contínuas, quando decodificaremos de comum a que vêm os mares de ilusão trazidos de dentro desse tal espelho.

Há um acesso constante ao mundo externo, cercado de passados e futuros, na face do espelho irreal. Enquanto, no íntimo de todos, dorme neutro o plano das expectativas do que virá um dia, no prumo das vidas sucessivas. E somos o senso, a visão ainda embaçada desta realidade real aposta no horizonte.

Nisto, face ao tanto dos acontecidos de toda hora, excessos de imbecilidade e sordidez constrangem, no entanto, que persistem chamar de viver. Uma imensidade feita das aberrações contra a Paz, a Natureza, o Equilíbrio, e temos parte nisso, nem que busquemos fugir sem saber aonde. Porém outro meio inexiste senão tocar em frente pelo uso dos recursos à mão. De pouca estrutura suficiente de conter a animosidade, os desafios, resta mergulhar em si, desvendar o mistério e sobreviver na essência imortal. Consta evoluir através da consciência, e revelar, certo dia, a realidade real que nos habita.

Conquanto haja os limites da multidão enfurecida pelo egoísmo, a alternativa, o instrumento, será o encontro desse Eu real, a origem do eterno que em nós ora transportamos. Invés de, tão só, deixar-se perder nas entranhas do espelho, consistirá da presença efetiva do ser em Si Mesmo, sentido único do quanto nos traz até aqui. Tal qual dizem neste tempo, sair da Matriz e viver a real finalidade do quanto existe.

(Ilustração: Liv Ulmann, em Vergonha, de Ingmar Bergman).

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Sem título VIII


Esse poder que as palavras têm de percorrer os caminhos da memória determina suas infinitas histórias às vezes nascidas dos sonhos, viagens, livros, numa sofreguidão a bem dizer que impossível fosse. Das tantas alternativas de avençar no eito da imaginação eis que nenhum lugar estranho haverá até onde se possa chegar. Certa feita, ao andar em sonho numa floresta até então desconhecida, me deparei com um santuário em ruínas, no meio de restos de madeira e folhagem, isso de tempos remotos e de religião inteiramente fora de meu conhecimento. Aquilo deixou margem a que pensasse em quantos rincões por demais distantes dagora, entre troncos calcinados, árvores caídas, escavações perdidas, semelhantes a nós próprios, nossos passados reencarnatórios, outros mundos que sumiram noutras dimensões e galáxias. Equivalentes a isto, perduram, também, através da gente essas relíquias dos espaços deixados nalgum firmamento lá de dentro, espécies de algo perene, inextinguível, pois.

E trazer de volta tais heranças significa o mister da arte em seus mais diversos matizes. Pensamentos feitos de sentimentos; sentimentos refeitos de palavras... Em um processo contínuo, porém, as histórias percorrem as consciências e vêm à tona no decorrer da criação. Sons, matizes, formas, movimentos, aventuras, um sem limites de transformações reviram nas almas os seus alumbramentos, conteúdos e regressos da mesma existência, na forma de emoções e furor. Quais corredores infinitos assim o somos, nas tantas e tantas vidas, nestes corredores sagrados da essência de si, pedações do Universo que nos compete ser.

Os livros trazem disso profundos depoimentos, dessas incursões intérminas, ideias e vários segredos, semelhante às inscrições rupestres de nossa presença nesses percursos, determinando os registros das vivências pela Eternidade de onde um dia chegamos aqui.

Ao avistar esses encantos quase impossíveis, espalhados pelo mundo, nos sentimos partes de um todo em formação, epopeia que se elabora na mesma proporção de nossa sensibilidade em crescimento. Nalgum instante, ao reunir de tudo o que sejamos capazes de interpretar, daí, decerto, totalizaremos o mistério que desde sempre vimos experimentado.

(Ilustração: Sucatas eletrônicas).

Aos olhos da sombra


Até nisto ocorre o transe de viver sob o teto do Infinito. Olhar as horas e contornar os desafios. Sobreviver a quase tudo, eis a medida exata do que faremos durante as primeiras luzes do amanhecer. Sustentar as folhas e deixar nascer os primeiros frutos, quando vieram as primeiras chuvas. Ninguém que se preze ficará inerte a esses instantes de compreender a verdade imensa que domina as estruturas deste Universo. Sabe-se, no entanto, do esforço de continuar a sorrir face aos movimentos desse tempo das muitas e diversas contradições. As palavras disso contam. Mostram a distância de um momento a outro, diante do comportamento dos humanos.

Fôssemos rever o quanto ainda resta de percorrer no sentido da calma e de vencer o passado, são tamanhas alucinações; ficaríamos largo tempo a descrever o desejo que em todos impera de viver em paz. Porém margem estreita de sentimentos só aos poucos desvenda o horizonte novo que habitará o coração donde veio a luz da Consciência e vencerá de vez o tanto que restou lá atrás, naquelas vezes tortas.

Espécie de roteiro vem, assim, sendo pouco a pouco traçado no decorrer do tempo e novos benditos serão cantados logo então elas, as palavras, vierem à tona a ritmo próprio, livres dos caprichos e das gerações. Quiséssemos de todo desvendar os destinos, quedar-nos-íamos a métodos fieis e justos, ao sabor dos reais sentimentos que já existem hoje, agora, no íntimo de nós próprios.

À solta, correm os dias neste fervor de poucos e esperança dos muitos.

Isto que vem de dentro, na força maior do quanto preencher os céus, e salvará o sonho, a transformá-lo noutras possibilidades justas, as quais insistem vir à tona. Fôssemos, pois, admitir tamanha perspectiva e praticar esses valores da sinceridade, construiríamos o mundo ideal que  impera na vontade mais sincera.

domingo, 19 de janeiro de 2025

Ambições de conhecer o futuro


Essa vontade humana de dominar a natureza envolve desejos antigos de saber o que vem acontecer no futuro das gerações. O motivo da disposição incontida desde tempos imemoriais finca raízes nos planos de vida e tudo o que diz respeito ao mundo e as coisas em volta, na política, na fortuna, no tempo. Sobretudo dominar os outros e a sociedade. Em resumo, reter nas mãos o destino e a riqueza, pretensão do tamanho do Universo. Um sonho bem avassalador, a sede insaciável do poder.

Essa tal vontade de domínio mostra evidências constantes nas profecias existentes e documentadas no decorrer da história, no âmbito das religiões e dos livros sagrados.

Filmes e pronunciamentos sempre trazem novidade quanto a isso. Agora mais recente, por exemplo, na película 2012, um sucesso de bilheteria, há referências ao que os Maias, civilização desaparecida na América Central, deixaram quanto a grandes mudanças que sofrerá a Terra nesse ano vindouro do calendário moderno.

Mas o que interessa mesmo, em termos práticos, chega mais longe, ao domínio do que pode permitir o conhecimento, até depois das muitas profecias ora existentes, numa lembrança forte das palavras de Jesus nos Evangelhos, a dizer: Sóis Deuses e não o sabeis, fazendo paralelo nas condições prósperas, contudo ainda que para eles mesmos realizarem, amarrando o burro nas orelhas dos donos.

Quanta maravilha transporta em si a existência, na assertiva cristã de guardar na alma a essência da herança divina, porém sob o desafio de ter antes de aprender a sabedoria, desenvolver esse modo particular de achar o caminho da luz e se libertar para as outras dimensões da Evolução.

Isto demonstra o tanto de responsabilidade na revelação pessoal através da caminhada do aprendizado, conquanto artífice da própria transformação. Longe de apenas se acomodar naquilo que receber, sem estudo e trabalho, só à toa pela vida, ninguém merecerá o Reino de Deus que o Mestre divino aqui veio repartir conosco. A mensagem que revela e enfatiza com tamanha seriedade a isto deu sua própria vida em demonstração desta Verdade.

Portanto, ao desejar a existência cômoda e perene da Eternidade, nós, humanos falíveis, reuniremos os laços do conhecimento a fim de achar a dominação do futuro, livres e sós dos apegos e das posses deste chão que, veloz, passa sob os nossos pés.

Profecia maior não existirá além deste conhecer individual das normas do sentimento, porta aberta do Amor autêntico de Deus, o que nos promoverá ao nível das vontades e dos prazeres permanentes. Descobrirás a Verdade e ela vos libertará, portanto.

(Ilustração: Lagoa Encantada, Crato CE).

sábado, 18 de janeiro de 2025

Isso de interpretar o Destino


Um querer circunstanciado qual quem, sozinho, assiste um filme magistral pela segunda vez, a desejar saber mais do que quiseram lhe contar, e vale um tanto quanto a ânsia incontida de todos a buscar respostas às normas do que de tudo acontece. Serve de método, porém, são muitas as perguntas e nenhum resposta que seja de todo obtida, passadas sejam noites de frias madrugadas. Bem isto de indagar do Autor as mínimas questões até então guardadas a sete capas no infinito do Tempo, nada além. Esforço continuado, gerações sucessivas têm argumentos diversos de ajustar o senso ao viver os momentos. Saber-se dono de si, no entanto troncos vagos de árvores esquecidas a descer pelos rios do aprimoramento. Nós, criaturas informes de outros tempos de novo agora, observadores privilegiados da própria identidade.

Assim, tal e qual, de hora a outra vêm as avaliações daquilo que ocorre em volta da gente. Cruzar com as pessoas pelas calçadas e nem lembrar direito quais que seriam, deixando a percorrer as memórias apenas a título de fragmentos das antigas histórias, por certo vividas nas mesmas calçadas. São elas pessoas que também o somos, alimárias dos firmamentos, datas marcadas em movimento ao caudal das circunstâncias. Daí, o instinto de compreender o mínimo das histórias que nunca param de acontecer enquanto transitamos de novo pelos segmentos das cidades impacientes.

Vivem livres pelas consciências, pois, no tal desejo de encontrar as portas do Paraíso e desvendar o motivo de estarmos existindo entre espinhos e flores, minúsculos seres misteriosos que não param de encenar o espetáculo dos séculos sem fim. Conquanto esses buscadores, tocamos as paredes do imenso abismo e pernoitamos diante dos amores, das palavras descritas no silêncio e escondidas perante os céus. Nesse tatear de sonhos, preenchemos as listas do passado e nos abandonamos de volta aos braços do inesperado, feitos senhores da Criação naquilo que nos compete compreender.

(Ilustração: Pôster Pop Arte - Multidão Pessoal - Koz Palma 2023).

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Que há dois em um só


Assim não fosse, que sentido existiria no diálogo interior, de quando, a toda hora, eles dois estabelecem longos trechos de conversas e saem vagando, tropeçando e jogando tanta conversa fora. Um tempão de perda de tempo lá vai, e os dois nesse bate-papo demorado a discutir dentro do ser a razão de nunca achar um mesmo só que fosse. Por vezes, algum deles abre mão e deixa acontecer, querendo ver até onde o outro quer chegar, sem chegar. Travam verdadeiros debates nesse corpo-a-corpo, à busca de compreensão do que nem podem jamais vir a ser, espécie de faz de conta de viver.

Já se vão longos séculos disso ter tido um começo, arrastando fardos pelo Chão; pesos e medidas que não deram jeito de evitar os confrontos extremados das guerras e revoluções, que hoje enchem os livros jogados pelos cantos, sórdidos passados. Estabeleceram bases até consideráveis de entendimento, porém tão logo vejam vantagem entre si atiram ao léu quaisquer conversações de paz. Conquanto possível fosse alguém abrir mão dessas pequenas vantagens, ainda que tal jamais esquecem de levar consigo os trunfos de metal nem sabem aonde, muito menos quanto duram.

Nas noites, talvez, aí descobrem um jeito vago de fazer das intermináveis contendas algo qual imagens em movimento de contar outras histórias, e desvendam alucinações, no entanto que as esquecem acordados sejam. Trabalham incansavelmente a ser um só, que disso lhes contaram certa feita, contudo nada de concreto seja esse instante da História; veem pouca chance de um motivo real a terem de cumprir tais decisões antes adormecidas.

De outro modo, por mais insistam descobrir qual, criam ilusões de vantagens e descem ao solo das mesmas contradições, feitos máquinas pecuniárias à busca de conserto. Vivem, pois, afeitos aos próprios segredos dissimulados vidas afora, um e outro sustentando teses ridículas que os fazem adversários, todavia ausentes de harmonia e desfeitos em lágrimas desaparecidas na sorte, todavia são as horas de sumir pelas ausências ali adiante. 

(Ilustração: https://pt.dreamstime.com/ilustra%C3%A7%C3%A3o-stock-imagem-de-ouroboros-animais-fant%C3%A1sticos).

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Conter o Tempo


Quero crer ser essa a fonte da angústia, desejar dominar a sua ação misteriosa e sustentar de algum modo a força dos momentos que passam e transformam os acontecimentos em memórias. Espécie de matéria prima da existência, utilizamos na medida de nosso jeito de compreender. Vemos suas marcas em tudo. Nem de longe se dispõe da real identidade desse deus poderoso. Tempo e existência, movimento único sob que habitamos. Noites. Dias. Antes. Depois. Um presente indomável ainda que nele estejamos atônitos. Das interrogações quanto a este ser abstrato que move o espaço, ninguém revive seus minúsculos componentes de uma sentença inevitável.  

Segundo místicos, o Tempo é uma abstração, apenas isto. Nós seríamos decerto os passageiros de corredor sem fim que estaria eternamente, e nós passamos nele, aonde outros também passarão. Criamos nisso todas as fantasias que permitem a nossa imaginação por meio de pensamentos e sentimentos, as secreções individuais. Quando parece desaparecer o movimento dessa incansável sinfonia, bem ali recomeçam novos espetáculos, encenados agora pelos novos atores, vistos pelos novos espectadores, num circo esplendoroso, perfeito.

Já dissemos nalgum texto que o Tempo é dos mais respeitados orixás do candomblé, sendo reverenciado no início dos rituais, a cada vez. Bem dizer, respeitado em toda atividade humana qualquer que ela seja; significa origem e declínio das civilizações, dos empreendimentos; enquanto as criaturas, uma a uma, rendem graças ao seu poder exclusivo, até sabe Deus quando.

Escolas de pensadores orientais suscitam a necessária importância de dominar o pensamento e aceitar o sentido absoluto do desconhecido. Há o que a razão jamais identificará, o inexplicável, que transcende raciocínios e interpretações, e simplesmente dão de conta, nos segmentos da Lei do Universo, ao transe entre Ser e Existir. Dentro disso, tal fogueira imensa de fenômenos, persistiriam objetos e abstrações, num mar de consequências inextinguíveis, submissos ao domínio perene de uma consciência maior, senhor do quanto houver.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

O equilíbrio dos contrários


Um desafio constante de que somos seus intérpretes. Houver manifestação no âmbito material, a dualidade ali está presente. Em tudo, afinal, desde sempre. Noite, dia. Lua, Sol. Frio, quente. Água, fogo. Negativo, positivo. Pensamento, sentimento. Açúcar, sal. Dentro, fora. Sombra, Luz. Guerra, Paz. E a função natural dessa polaridade efetiva que disso a vida se manifesta na matéria rumo um equacionamento maior. Tudo tem que ter o seu contrário para poder existir, do Livro do Caminho Perfeito (Tao-Té-King), de Lao-Tsé.

Os místicos trabalham a revelação do outro plano, porém sujeitos aos encargos de confrontar a materialidade, daí a razão do sofrimento que tendem vivenciar. Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai a não ser por mim, segundo afirma Jesus-Cristo. No mesmo seguimento, Paulo de Tarso considera: Não sou eu quem vive, é o Cristo que vive em mim.

Conquanto estejamos numa existência física de seres espirituais, daí a expressão corrente nas filosofias, doutrinas, religiões, escolas místicas, psicologias e revelações de vencer as contradições e trazer à tona, esgotados os valores perecíveis da carne, a consciência, que busca crescer em si até obter auto revelação, ou iluminação, purificação, salvação. Nisto, dar-se-á o encontro definitivo com Deus, que vive no íntimo de cada ser humano em sua procura pela superação da morte através do prosseguimento superior das vidas que vive.

Transcender, por isso, significa desperta a revelação plena da presença espiritual, fonte original da existência, o que permite chegar a um plano superior e nele desvendar o real motivo e o sentido da história deste mundo atual.

Eis, numas poucas palavras, o mistério em forma de manifestação da perfeição, a Ciência verdadeira da Natureza de que sejamos parte essencial, face à inteligência e aos pendores de nossa Evolução.

(Ilustração: Yin/yang).

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

No reino das limitações


Esse desfiladeiro de contradições daqui do Chão fala disto o tempo todo, de quando chegaram os primeiros à procura dos meios de sobreviver. Talvez fugissem de alguma hecatombe noutro planeta, quem sabe? Ou viessem dentro de uma missão, de algum vaticínio que houvessem de cumprir a qualquer custo. A realidade é que aqui chegaram e ainda permanecem, na busca de construir possibilidades outras e regressar, quero crer, ao mundo donde vieram, levando consigo arquivos imensos das maravilhas deixadas, e que lá servirão de lembrança e estudo dessa fase dagora.

Desses tais arquivos reunidos, as músicas prevalecem. Alguns filmes, por certo. Livros em códigos. Imagens. Vídeos. Não poderão, de certeza, ultrapassar o peso nuclear que suportam as próprias naves que os virão recolher de volta. Os mais afeitos à experiência de regressar são esses responsáveis pelo recolhimento do material a ser conduzido ao regressarem. Sabem mesmo do valor de estar nessa experiência sideral. Digo que sabem, mas melhor seria dizer que acreditam saber.

Mais que evidente, no entanto, compreendem a precariedade do quanto vivem tantos nessa época de muitas restrições e tanto caos, significando só uma espécie de experiência parcial do futuro. Eles, os habitantes que encontraram ao chegar, nem de longe observam ou sentem a presença dos que circulam entre eles sem serem iguais.

Ficam nisso, improvisação de acampamentos que se desfará a qualquer instante, de acordo com planos outros, desconhecidos de todos, estrangeiros e tradicionais. A continuidade dos astros pelo céu transcorre livre de quaisquer determinações desses tais seres, pois existe um comando no Universo, além das nuvens e dos relâmpagos. Lá longe, restrito ao mistério que vaga entre imagens e pensamentos, impera o Poder Absoluto, superior às percepções dos que compõem o quadro das existências ocasionais.

As vozes deste conteúdo, as artes, vez ou outra se percebe e buscam dizer, guardadas que sejam as fragilidades dos espíritos que as escutam, e com isso desenvolvem regularmente a intenção de ouvir do silêncio a beleza esquecida, no entanto, passadas algumas gerações, adiante sustentarão o que antes foi.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Surpresas da imaginação


Há um repertório de objetos e ocorrências situados no comum das existências que deles ninguém duvida conquanto se enquadrem no âmbito de uma realidade até então permitida. Desde que submissos à rotina dos acontecimentos, todos baixam a cabeça e aceitam quais regulares. Fugiu, no entanto, dessas taxas assim previstas pelo mundo corriqueiro, dali nascem os artefatos do inesperado. Isso em tudo quanto preenchem as normas daqui do Chão que conhecemos.

Queira criar uma ficção, escape desse enquadramento contínuo, viaje no sentido contrário, aventure dizer o que a grande massa discordar e veja o resultado. Lembro de um personagem de Jorge Amado, em Os velhos marinheiros, um capitão de navio na sua primeira viagem, quando foi atracar e determinou usassem todo o estoque de cabos na amarração ao cais. Os marujos aceitaram, porém achando naquilo algo de esquisito. Não reclamaram, entretanto. Ora, ora, tal foi a surpresa em face de tempestade fora de contexto que, naquela noite, poria ao largo todas as demais embarcações, restando atracado no porto apenas o navio do Capitão.

Li, outro dia, uma nota a respeito de um administrador de cidade japonesa, numa costa dada a tsunamis, que resolveu, em contrário aos demais prefeitos das cidades vizinhas, que fosse construída muralha acima das especificações ali adotadas. Apesar dos largos custos, atenderam ao prefeito, que cumpriu seu mandato sem nada de inundação anormal que justificasse a obra. Seguiu desse jeito enquanto ele viveu. Lá mais à frente, belo dia, retornaram as ondas extremas e aquela cidade foi a única que não sofreu as consequências da destruição. Com isto, o túmulo daquele homem ainda hoje recebe flores em agradecimento pela sua inesperada atitude.

O mérito do imprevisto advém, pois, das discrepâncias de tantos que se acham os pais das certezas. Noé também trabalhou face a face com as normas de sua época, ainda que contrariasse o absoluto da maioria. Nesta fase de hoje da História, de vez em quando são verificados, e trazidos ao conhecimento de todos, eventos exóticos que merecem observação, espécies de leituras diferenciadas dos dias iguais como nos acostumamos a viver.

(Ilustração: Estudos e comentários bíblicos https://bibliotecabiblica.blogspot.com/2014/01/o-diluvio-realmente-aconteceu.html).

domingo, 12 de janeiro de 2025

O enigma das vidas


Às vezes, me pego a observar fotografias antigas de lugares que não existem mais... e fico a imaginar aonde foram aqueles que andavam ali pelas ruas, praças, estradas, tudo, enfim, que tende naturalmente a desaparecer lá num tempo depois de cumprir seus afazeres, usufruir das histórias e, simplesmente, deixar de ser qual nunca houvessem sido: Pedaços de universos 
pelas trilhas da sorte, à busca de outros firmamentos, pois.

Enquanto isso, seguimos tais seres intensos, quiçá eternos, dalgum modo ainda em fase de desenvolvimento. Atores, por isto, de uma legenda em formação, escrita livre de autor até então desconhecido, às sombras de horas e sonhos.

Tocar assim este acordo de nós com nós mesmos, nas visões circunstanciadas de mundos de que seremos também seus habitantes a certo momento, nas considerações a propósito; tantas melodias, tantos tratados, ficções, doutrinas, que nos permitem divagar, quando ver-nos-emos sós conosco próprios, passadas que forem aventuras do que somos hoje instrumentos ocasionais.

Li uma frase de Jiddu Krishnamurti e quero admitir sua exatidão: Sem total liberdade não há possibilidade de amar; e uma pessoa séria está empreendida nessas únicas coisas, e nada mais. Daí quantas decisões de existir e aceitar o peso do Infinito que carregamos às costas; com isso, inventar exatidões no sentido da razão de aceitar o preço das ausências do que ora seríamos feitos.

A bem dizer e permitir que palavras conduzam raciocínios, frações transcorrem aos nossos pés, neste mar de dúvidas. Muitos querem reunir as falas que lhes assistem de também conhecer, através dos astros e das cartas, o Destino, porém são por demais estudados e pouco discernidos. Caberiam, quem sabe?, novas conjunções, outros predicados e aulas ao sopro da conformação. No entanto, aceitamos, de bom grado, o fluir dos séculos a percorrer nossas veias.

sábado, 11 de janeiro de 2025

O maestro do silêncio


No intervalo entre noite e madrugada, ao suave perfume das primeiras flores, antes mesmo do cantar dos primeiros pássaros, bem ali se dá o acorde dessa sinfonia dos que vivem as consciências. Albores de derradeiros sonhos riscam os céus. Vazio absoluto sacode a natureza, pondo-a definitiva neste algo maior que todas as grandezas. Isso, apenas voos rasantes de imaginação, luzes que apagam os derradeiros mistérios noturnos e refaz de desejos o movimento à busca do Sol.

Nesse mesmo jogo de sombras desfeitas nascem traços de toda fisionomia do Universo. Vem de dentro dos bichos, das árvores, das nuvens a deslizar desde Nascente uns espectros ainda adormecidos das horas que passaram. Quando, só então, vêm os seres humanos, a tanger seus fantasmas que agora despertam ao fervor das horas mornas da madrugada que desaparece pouco a pouco.

Conquanto à força de tantos instrumentos, iguais, porém, a ausência de som que permanece pelas encostas e várzeas ora úmidas do orvalho que se foi. Há tal que seja um fruir espontâneo que invade o tempo, enquanto as pessoas conspiram, no instinto de vencer um outro dia logo à frente. Persiste, sim, estranho caudal de notas infinitas pelas entranhas do mundo em volta. Alguém impassível que rege, assim, o revirar dos acontecimentos durante as existências enigmáticas presentes no instante inevitável dos seres.

Pura aparência de quem busca o que seria inexistente perante o trino impaciente dos pássaros, ruído insistente reconstrói o passado nas formas e objetos, cores e harmonias.

Às vezes me pego a recontar emoções doutras épocas, de filmes, peças teatrais, apresentações musicais, diálogos, romances, a invadir os tecidos do meu pensamento e trazer sinais entre os dedos das lembranças. Quais partes tão agarradas em mim, entes autossuficientes que correm pelos campos da memória com tamanha desenvoltura, que chego a considerar vivam eles e eu apenas acompanho seus significados. Disso reúno deles roteiros completos do busco cumprir no decorrer de tudo em volta, tais a obedecer notas soltas de uma melodia silente, abstrata.   

(Ilustração: Referência de Rocksmith: Pentagrama ou pauta musical).

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

A sacrossanta luz do teu poder


E saber do quanto significa olhar de novo o tempo e deixar transcorrer os objetos e as pessoas diante do Eterno silenciosamente. Usufruir da expressão mais simples de tudo quanto houve, e mesmo assim distinguir de bom grado a organização das letras no seio das palavras, e as palavras dentro das visões que se desmancham face a face com os sentimentos. Fôssemos, perante as circunstâncias, compreender o que nos passa pelos ouvidos e desejaríamos apenas céus e terras a sustentar os momentos nos quais somos nós e logo em seguida sumir-se-á em vista daquilo que certo dia aconteceu. Sujeitos à organização da vida na matéria; seres surpresos de histórias a transcorrer na velocidade dos sóis entre os eus que deslizam no horizonte, logo depois desaparecem através da faixa estreita durante as ondas no itinerário dos pensamentos. Quaisquer variações, pois, de interpretação deixariam margem a recomeçar tantas quantas vezes sejam inevitáveis ao movimento dos astros pelo céu. Pequeninas partículas de si que constituem o único significado das afirmações universais, serão elas as justificativas que terá o mistério de fazer de nós o motivo de estar no Chão e agir de variadas formas no dizer das contradições, durante o desenrolar das muitas caravanas pelo deserto dos corações enamorados. Substituir, portanto, tudo em nadas poucos, ou nenhuma diferença representaria duvidar, todavia, o que traz de volta predicados escondidos debaixo das folhas secas de outono repetitivos, época de grandes luas e nuvens lentas nas planícies glaciais e manhãs insólitas. Secundar, contudo, o transe dessas inestimáveis ocasiões possibilita reviver demorados sonhos e fazê-los crescer na consciência nos dias sucessivos, marés imensas de expectativa e desejos ardentes. Conquanto, porém, sejamos essas fagulhas das fogueiras esplendorosas do que virá bem adiante, ainda que tal far-nos-emos rastros antigos dos derradeiros autores que demoraram aqui só o período necessário a existir, nas gerações de um futuro próximo aonde deteremos multidões inteiras quase adormecidas.

Letras caririenses


Li, há pouco, o livro Juazeiro Anedótico, de autoria de Raimundo Araújo, pela ABC Editora, de Fortaleza, contando histórias espirituosas de personagens que assinalam ou assinalaram episódios inesquecíveis  sobretudo da Meca nordestina, registros bem apanhados e prudentes de acontecidos da comunidade, nos seus momentos mais saborosos, descontraídos, alegres, próprios à transmissão que mereceram.

São Peças raras do anedotário relativo a nomes populares, quais Seu Lunga, Prof. Zé Neri, Mascote, Antônio Patu, Mozart de Alencar, Conserva Feitosa, Henrique Brasileiro, Edvan Pires, dentre outros de brilhante senso humorístico, que escreveram páginas eternas dos tempos juazeirenses, detalhes vivos das épocas e lugares.

Ao escritor reserva-se ao trabalho de recolher tais instantâneos cotidianos para passá-los à perenidade através do livro, instrumento adequado nesse mister de transmitir conhecimento, descrições e narrativas.

Numa hora dessas, ouvi Raimundo Araújo falar do zelo com que preserva tais conteúdos sociais e me dizia, no seu hábito particular, atender com isso a instintos pessoais, independente de saber explicar melhor por que cumpre atende a essa vontade.  

Guardar coisas da memória e do tempo faz, desde a mais remota antiguidade, os autores se parecem entre si. O costume, inclusive, mantém ligação estreita com o desenvolvimento civilizatório, no início, pelos escritos religiosos e mitológicos, depois, nas instituições culturais.

Vistas num âmbito maior, as produções assim elaboradas equivalem a testemunhos úteis da história, dos modos e costumes das gentes. O Cariri possui forte tradição desses cronistas locais, seus fiéis historiógrafos.

Dada a oportunidade, lembrarei aqui alguns deles, lista válida nas abordagens amplas de nossa rica literatura. Ei-los: José Carvalho, José Alves de Figueiredo, Otacílio Anselmo, Raimundo Borges, Quixadá Felício, Pe. Vieira, João Brígido, Nertan Macedo, José Marrocos, Mons. Francisco de Holanda Montenegro, Irineu Pinheiro, F. S. Nascimento, Pe. Neri Feitosa, Manoel Monteiro, Pe. Teodósio Nunes, Emídio Lemos, Mons. Ágio Moreira, José Gil Borges, Amália Xavier, Mons. Rocha, J. de Figueiredo Filho, Rosemberg Cariry, Joaryvar Macedo, Zuleika Figueiredo, Xavier de Oliveira, Jefferson Albuquerque, Paulo Elpídio de Menezes, Nirson Monteiro, Amália Xavier Pereira, Flamínio e Tiago Araripe, Assis de Sousa Lima, Plácido Cidade Nuvens, Geraldo e Walter Menezes Barbosa, Daniel Walker, Renato Cassimiro, Cláudio e Fran Martins, Antônio Martins Filho, Pe. Antônio Gomes de Araújo, Osvaldo Alves, Lindemberg de Aquino, Raimundo Elesbão de Oliveira, Otacílio Anselmo, João Alves Rocha, Patativa do Assaré, Napoleão Tavares Neves, Hamilton Lima Barros, Alacoque Bezerra, Wellington Costa, Huberto Cabral, Armando e Carlos Rafael, Ebert Fernandes Teles, Luciano Carneiro, Carlos Eduardo Esmeraldo, Elias Sobral, Eneida Figueiredo, Jurandy Temóteo, Manoel Patrício, Roberto Jamacaru, José Esmeraldo Gonçalves, João Batista Filgueiras, Aldenor Benevides, Willian Brito, Lupeu Lacerda, Edvan Pires, Huberto Tavares, Rosemberg Cariry, Fátima Menezes, Jósio Araripe, Edésio Batista, Lucélia Brito, José Flávio Vieira, José Newton Alves de Sousa, Marcos Leonel, Manoel Monteiro, Eneas Braga, Pedro Ernesto Filho, Geraldo Urano, Pedro Antônio Lima Santos, Ronald Brito, Alfredo Tavares, André Barreto, Celso Gomes de Matos, Almério e Amarílio Carvalho, Maécio Siqueira, Antônio Vicelmo, Francisco Assis de Sousa Lima, Geraldo Ananias Pinheiro, Josenir Lacerda, Humberto Mendonça, Sidney Rocha,  Maria Eunice Teles, Pedro Esmeraldo, Aldemar de Morais, Ronaldo Brito, Flávio Morais, Heitor Feitosa, Jorge Emicles Paes Barreto, Claude Bloc Boris, Sávio Cordeiro, Cleide Oliveira, Anchieta Dantas, Anilda Figueiredo, João Calixto Junior, Roberto Junior, Madson Wagner, Antônio Alves de Morais, Tarso Araújo, ... (reticências abertas aos acréscimos inevitáveis).   

(Ilustração: Crato antigo).

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Luzes do fim da tarde


Desde criança algo mexe comigo aos finais do dia, quando, no Cariri, o Sol busca o outro lado da Serra e deixa conosco uma claridade neutra antes de sumir de todo lá além, nas bandas do Poente. Perdura isso qual meditação, silêncio contundente nos refolhos do sentimento. Lembro algumas das histórias que minha mãe nos contava quanto aos períodos de seca no Sertão, forçando migrarem os que viviam daquele lado aonde seguia o Sol, nas terras do Pernambuco; e buscavam Crato e Juazeiro do Norte, lugares menos áridos, à procura de alimento e sobrevivência. Eram eles os flagelados, famintos, desgarrados de suas terras, então sem safra, sem animais, longe dos meios de existir. Meus pais tinham amigos que moravam em Bodocó, na zona rural, e, de vez em quando, vinham nas segundas-feiras e ficavam na minha casa, Com eles eu conversava sobre o lugar onde viviam. A mim parecia notícias de sonhos, livros, voos pela imaginação a mundos desconhecidos. Um passeio a seguir o Sol nessas horas de sumir detrás da Serra. Certa comadre de minha mãe notava o meu interesse nos assuntos que contava e pesava nas tintas, trazendo detalhes inventivos e estendendo os enredos e prolongando os contos. Enquanto isto, eu também observava o seu gosto pela fantasia, lhe ofertando livros de ficção, do tempo dos reis, rainhas, aventuras medievais, cavalaria, príncipes e princesas, o que recebia com evidente satisfação e os levava consigo. Depois, nem lembro mais se nos reencontramos. Só sei que ainda hoje sinto satisfação de haver alimentado seu gosto pela literatura.

Desse jeito, também sou, viajando nos pores do sol à procura desse inominado que a luz transporta a outras terras, após haver clareado o tanto da Terra onde habitamos. Fico a considerar quem e onde outras situações irão acontecer na força do Astro Rei em suas andanças pelo mundo afora. E o que fizemos aqui de sua luz naquele dia onde ele sumiu mais uma vez logo ali detrás da Serra.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Novos olhares


De tudo, enfim. Dos acontecimentos e das visões lá bem distantes; dos momentos velozes que passaram feitos nuvens e jamais voltaram. Olhares novos. Ver, talvez, o que nunca enxergou do que houvesse antes perfeito nas imagens, no entanto agarrado na memória, os perdidos passos doutras histórias que deixaram marcas profundas no coração da gente. Querer recontar a si próprio aqui que transcorreu, dúvidas, equívocos, desnorteios, contudo pedaços justos de nós que sumiram sem largar vestígios pelas profundezas do ser e insistem regressar, às vezes nas horas de silêncio, de quatro crescente, de manhãs chuvosas, mas continuam ali tal incrustações definitivas na alma, restos fortes de solidão adormecida.

E nessas ocasiões não há como fugir, acalmar o discernimento sob a justificativa que não tivesse nada consigo. Curvas de estradas, lugares onde se passou e as recordações dali que persistem na folhagem, nas sombras, no rio, naquele lugar de encontro inesquecível, a dizer memorável do quanto sobrevive. Saber entranhado no sentimento e viver a sensação da inesquecibilidade do inevitável, poderoso qual determinação doutro poder maior vindo de longe, das alturas, quiçá doutras dimensões... Visões intactas... Iguais emoções a pulular em tais oceanos... por certo da existência inesgotável da gente. Os antigos sons a ressoar nos rincões desaparecidos da alma hoje intacta neste sempre que somos.

Todavia isso que significa a existência, esse eterno retorno de saudades que impera de si até que chegue o dia do reencontro das tantas situações felizes, desfeitas no firmamento da individualidade, isso agora consiste em tocar adiante a nave da consciência pelo Universo afora, e conhecer os caprichos e as vontades das lágrimas, dos risos, das alegrias, esperanças e sonhos...

Andar no instinto de achar a tal felicidade e os momentos definitivos da Paz, pessoas afetuosas, saúde, calma, aceitação, virtudes... Esse o somatório de pisar o espaço e respirar no tempo, seres intermediários entre o mistério e a certeza do quanto dispomos, ao sabor do que distinguimos das imagens de perfeição a nos tocar os pés e viajar conosco nos céus do desconhecido.     

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Teoria e prática


Bom, por mais livres que sejam, colherão o produto das práticas que exerçam naquilo que melhor posicionem suas falas e tragam ao circo das ações de um a um, no teto das palavras. Essa resposta bem demonstra o poder que existe além das horas que passam velozes.

Séculos sem fim e o Tempo demonstra a força de uma soberania a toda prova, isto às mãos daqueles mesmos que ora persistem pelas malhas da existência, oportunidade raríssima de chegar ao senso da Felicidade pelos passos atuais.

Assim, face aos tempos e às pessoas, rastros contraditórios enchem os horizontes de versões desencontradas, porquanto escritas pelos sujeitos da História em suas atitudes desencontradas. Meros vilões de si, arrastam nos pés a lama do desconhecido e praticam a própria perdição. Isso desde líderes até espectros da raia miúda, jogados no lixo das práticas infiéis, bolsões de ilusão de todo modo.

Uma vez aceito que as palavras possam ter significados, resta, então, deixá-las percorrer o trilho da certeza e surtir o efeito daquilo que melhor lhes convenha, apressando em fazer com que ofereçam sentimentos diversos, livres do ranço angustiante das eras, seus tiranos, suas contradições e dúvidas. Esse domínio que exercem detém poder estonteante, quase nunca utilizado pelos que as utilizam.

No entanto as escolhas cabem aos indivíduos, ainda que desejem fugir dos compromissos que assumam. Frutos disso compõem as circunstâncias. Há de tudo nesse mar das aventuras errantes da raça dita inteligente. O instinto do prazer, do poder e da sujeição aos baixos valores denota o ser que vigora no correr das gerações. E nisto as palavras servem de anteparo aos plantios e o que deles possa vir. Ninguém sobrevive àquilo que venha adotar qual razão do destino que cria. Leis imperam e subsistem a tudo.

(Ilustração: O pagamento, de Pieter Brueguel o Jovem).

domingo, 5 de janeiro de 2025

Além do Infinito II


Bem depois da soma de passado e futuro... Oceano enfim de vastidões inigualáveis... Som de proporção monumental, fruto único de todos os silêncios, e vazio de ecos e indagações de tudo quanto há nesse mistério entre o espaço e o tempo, onde vagam os espíritos, parceiros do imaginário e herdeiros das horas e das virtudes. Mundos assim em movimento, constituídos de lembranças e ausências, dores e prazeres, numa única solidão sem par aos nossos olhos.

Desse campo de luzes e cores, dali vêm os sonhos pelos caminhos de noites infindáveis e desertos de pessoas. Fonte das viagens incertas, revejo esses tantos lugares que a memória esqueceu de guardar, mas mesmo assim nascem sempre de alguma reserva inatingível, toda vez, no que houver e deixe de reviver, na medida dos sentimentos e das necessidades mais íntimas. Regressam, pois, cobertos de mil sóis naqueles mesmos acontecidos, quais pendores que fugissem até das vestes mentais do desconhecido.

São as cenas dos filmes vistos, as notas musicais nas canções, os instantes das ruas, pessoas, climas, dúvidas, transes, valores e desejos que insistem permanecer diante dos mínimos pensamentos que isso tendam recordar.

Doutras vezes, viram lendas, histórias, personagens, heróis de nós próprios, escondidos entre as contradições do que fomos e ainda somos e os conceitos que disseram que devêssemos preservar a qualquer custo. As visões dos paraísos adormecidos pelas florestas da nossa consciência, dos afetos que ninguém pretende negar, realidades e sonhos distintos dos indivíduos, flutuam nestas sombras, à busca de ressurgir na face cálida do destino.

Essa imensidão translúcida que agora existe e significa o quanto queremos continuar e trazer conosco no sótão das presenças, motivo de estar onde estamos e viver o que vivemos, ser-se-ia uma paisagem proporcional aos instintos de contar o que vimos antes e reescrever as aventuras das individualidades, a divisão exata que lá um dia seremos tão logo unidos os fragmentos deste ser feito de estrelas que aqui transportamos pelos céus.

sábado, 4 de janeiro de 2025

Cracóvia (Tradição judaica)


No ano de 1363, o Rabi Yitschac transferiu-se de onde lhe perseguiam, na Alemanha, para a cidade de Cracóvia, na Polônia, a convite da comunidade judaica daquela nova localidade. Esses domínios pertenciam a um dos príncipes poloneses, cujos condados eram administrados pelo judeu alemão chamado de Shelemô Seligman.

Seligman, por sua vez, renunciando compromissos religiosos para com a tradição de seu povo, abandonara a Lei para viver vida dissoluta, irreverente e prazerosa, semelhante à dos outros camaradas poloneses com quem convivia, mudando inclusive o próprio nome para Sigmund.

No seguir dos acontecidos, de inopino, certa vez, Sigmund achou de se apaixonar por jovem judia divorciada que morava em Cracóvia na companhia dos pais. A fim de conquistar os familiares da moça, o nobre prometeu casar com ela de acordo com as leis de seu povo de origem, indo ao Rabi Yitschac no intuito de que ele oficiasse a cerimônia religiosa.

Sabedor das raízes israelitas do noivo, o rabino recusou o pedido, porquanto ao judeu inexiste a possibilidade de contrair matrimônio com mulher separada do marido.

Disposto afrontar o que desse e viesse, Sigmund propôs ao sacerdote abrir mão de seus privilégios, desde que merecesse a mulher que amava. A isso, no entanto recusou-se o fiel rabino, que apenas insistiu em preservar o livro santo do Torá, ao qual devia obediência, apelando retornasse o pretenso nubente ao estilo judeu de seus pais, em sacrifício das vaidades do mundo e modelo da salvação daquela gente.

Revoltado, Sigmund ameaçou Yitschac e retirou-se batendo a porta.

Daí, seguiram-se denúncias do rabino à família rica e influente da noiva e à comunidade judia quanto aos propósitos contraditórios de Sigmund. Enviou mensagens e advertiu do púlpito, em severas críticas, os envolvidos na trama, e considerou os efeitos perniciosos da atitude pecaminosa, caso levada a efeito, angariando assim os favores da comunidade.

Os parentes da moça, em resposta, escolheram insistir quanto naquilo, em apoio do noivo. Sigmund, então, correu ao príncipe na busca de prestígio. Formara-se larga contenda, porquanto o soberano também concordou no casamento.

Convidado ao palácio, o rabino manteve sua posição. Forçava príncipe a que o sacerdote judeu mudasse na decisão. Até um bispo católico viria aos debates, chamado a opinar, sem, contudo, lograr o êxito da desistência do rabino.

Com isso, o príncipe determinou a celebração do enlace matrimonial por Yitschac, em arrepio das leis da Tradição, bem no centro da praça do mercado, sob a força das armas e perante uma movimentada assembléia de judeus e não judeus.

Ciente de que não dissuadiria o casal da profanação, o rabino ergueria, no momento das núpcias, aos céus, profunda súplica, arrematando, em seguida: “Responda-me, oh, Deus, responda-me. Faça-o em prol de Seu santo, grande e temível Nome!"

Na praça lotada, só os lábios do ancião se moviam veementes, quando fenda enorme se abriu no chão sob os pés de Sigmund e sua noiva, engolindo-os num abrir e fechar de olhos.

Os gritos aterrorizados que em breve se ouviam restariam abafados no meio da multidão estarrecida. Logo depois, a terra se fechava, perante o testemunho de muitos olhos amedrontados.

Face ao fenômeno inédito, arrependido com as notícias, o príncipe ainda viria a atender o rabino, isolando de paredes o local em que os dois infelizes sucumbiram, por não ser dado aos judeus andar em locais que haja túmulos, segundo pedira Rabi Yitschac na ocasião.

(Ilustração: https://macielindex.com.br/judeus-sefarditas-historia-legado/).

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Confissões enigmáticas


O que contar agora face às tantas falas e tantas histórias do que já se viu no decorrer de tudo que aqui passou, eis o trecho do percurso a observar e deixar em branco todas as páginas que disso viessem posterior. As interrogações principiaram desde as primeiras expectativas de querer escrever e ainda não saber o quê. Sustentar, no entanto, a vontade constante de conversar consigo através das palavras; significar, pois, decisão de preencher o vazio dos pensamentos e sentimentos, e manter em riste o desejo de encontrar as respostas daquilo que o passado  gravou nas malhas das recordações. Reviver, talvez, seria o termo mais adequado, numa melhor intenção, e refazer as emoções e conclusões daquelas horas inscritas na saudade que ficou. Porém nem isto ser-se-ia o valor do que pretendemos ao parar e escutar as falas da gente com a gente mesma lá dentro de si. Qualquer motivo importaria nisso, em parar um pouco e prescrutar o movimento dos astros em nossos firmamentos, cavernas escuras do que se lera, se presenciara, vivera, nas diversas situações disso, desse ausente no entanto latente nas dobras da consciência.

Espécie de relatório dos dias antigos a isto equivale escrever, trazer de volta, detalhar experiências, frações de vivências, pessoas, filmes, livros, shows, diálogos, amores, frustrações, planos, viagens, esse tudo harmonioso de antes que no futuro avolumou no oceano das eras em nós, a pedir clemência de haver sumido pelas frestas do tempo quais meros fatores arcaicos dos apaziguamentos da existência com o que depois viesse a ser. Conquanto floresta só de sonhos antigos, pedaços das pessoas riscam os céus da nossa memória, feitas cenas perfeitas da atual solidão aonde construímos possíveis roteiros doutras oportunidades que virão em seguida.

Face a tanto, saltamos de parágrafo e queremos continuar a todo custo nesta confissão pessoal de resistência, a preservar os ídolos que largamos pelo caminho, hoje relíquias preciosas de tudo quanto vivemos então e que fazem parte integrante de nosso ser atual.

(Ilustração: Kagemusha (O sósia do Imperador), de Akira Kurosawa).

Sexo e Amor


Antes de tudo, cabia-lhe aceitar aquela condição necessária de viver em paz consigo mesmo e com os outros, parceiros influentes da jornada rumo a tantas cidades e a lugar algum. Depois, o corrosivo da certeza absoluta de saber ao certo para onde caminhar, no comboio das estrelas. Enquanto que a nave deslizava pelo pântano da história sem fim dos imprevistos, gosto de noite ainda na boca, travo provisório de sabê-la deitada, linda, descoberta, sonolenta, e uma vontade insistente de querer sempre, entre os dedos e palma da mão, suas curvas macias... Ser vivo, nascente... Marcas de suor cheiroso nas frestas da janela fechada diante do esplendor da manhã e sua paisagem com pássaros festivos nos ramos agitados da folhagem.

Porém a questão prosseguia dentro dos olhos queimados, sexo ou amor, temas constantes das ondas a quebrarem nas praias cobertas de sargaços da véspera, noite de lua bela no céu, perfeição, jeito claro de mostrar quanta pureza de luz límpida, perfumada, ao sabor das árvores em movimento.

À mesa posta do sonho, lembranças de atividades através de troncos calcinados. Chamas avermelhadas avançavam aos céus, desde fendas abertas na superfície do parque da cidade. Calor não existia. Passos certos de quem conduz grupo de pessoas a lugar garantido. Sem medo. Encostas de inúmeros vulcões, surpresas previstas de território escarpado e misterioso.

No peito, as passadas ao ritmo das batidas dolentes de corações extremados.

Fortes vontades presentes, nos raios de sol que penetram e chegam aos dois corpos adormecidos, em meio a lençóis com o cheiro de gente que se ama, odor de flores silvestres recém abertas ao frio da serra, testemunha silenciosa ali de perto.

Doce pergunta nas páginas lentas dos dias que se sucedem, viver, insistir no livro da vida, amor consistente de pássaros felizes, impávidos.

Quantas vezes balbuciar a antiga oração de fechar corpo e guarnecer a continuidade harmoniosa dos barcos além do mar de cada sonho? E a resposta na franqueza do vazio das horas que invadem o foco, nas esquinas dos minutos incansáveis, refeitos noutras chances de viagem.

Por isso, é preciso continuar, preço da alegria, no desenho da evolução em transe, perante o desespero da dúvida sem argumentos, conquanto a beleza insiste nas curvas do caminho, nexo de todo instante, pouso interno das almas penadas em atividade. Houvesse só batida cadente, monótona, não fossem as variações da pulsação cardíaca, e poder-se-ia defender teses de nulidade para a fugaz esperança fagueira dos segundos exatos, insistentes.

Eles dois, olhos calmos fixos na crença do amor, rasgam a carne em partes simétricas, sensuais, espalhando carícias pela praça... Bichos no cio, cores diversas, combinadas em leque... Nisso, lavas de líquido quente escorre-lhes ao chão...  Cabelos soltos, agitados, sacodem na brisa matinal o acorde invisível de viola imortal, sorriso aberto, lábios e seiva de plantas pisadas espalham pelos corpos dolentes o valor provisório da vida.

Saber-se agradável e prosseguir a trilha da estrada longa, eterna estrada, caberá ao gosto de amar sem medo, o respeito do prazer de existir a cada momento, malhas harmoniosas do tempo; dormir e acordar quem ama em si.

(Ilustração: Vincent van Gogh).