Surpreendentes e livres, feitas chapéus voando arrancados pelo vento das madrugadas, palavras escapolem no ar pedidos fervorosos de socorro, à busca súbita de outras cabeças onde repousem noutros pensamentos clandestinos. Aliás, pensamentos talvez digam pouco para expressar o ímpeto do coração nessa indefinição entre as trilhas do desejo e a matéria elaborada no forno da cabeça, para chegar à boca mecânica, indiferente. Isso que seja mais sentimento, invés de pensamento.
Daí, na intenção original de quer falar, espécie de
exanguidade em lua de mel, quando, por mais se insista em conter o desejo permanece,
o coração andava cauteloso, sem querer abrir asas de liberdade, após
experimentar emoções contraditórias de velhos desencontros. A presença dela, no
entanto, encheu de oxigênio puro o peito, as fibras dos pulmões atrofiados na limitação
oficial voltaram a folear com gosto. Compactados nos fios de pedra dos cânones,
elas apenas seguiam sonhos em doses permitidas nas rodas oficias, beijos de mão
e leves afagos nos braços descobertos da etiqueta. Nada que ultrapassasse a
censura da impressão alheia.
Nisso, ela invade faceira o salão de baile das noites dimensionais
e rasga as fibras cor de jambo dos tecidos cardíacos, rompendo no gesto o
império bizantino do medo casto dos regimes ditatoriais. A primeira imagem que
ressurge depois, no minadouro das ideias, seria, qual movimento de penetração
solar nas fímbrias virginais do horizonte; albores das lindas manhãs de luz;
intensas paixões desarvoradas. Laivos vermelhos, com riscas laranja e pomos de
amarelo queimado, a brancos contornos precisos.
Ela, um dia de manhã, agora beleza sem precedente dos gestos
inevitáveis da alvorada, havendo guerras, convenções, incertezas humanas; ela,
explosão de suavidade gravada profunda nas paredes internas do infinito. Divina
gazela no jardim do Paraíso, anda macio no meio de cactos, boninas, luares,
marmeleiros, zumbido solto de linguagem cifrada, cumplicidade sideral das
abelhas, riscos e desenhos magistrais de perfumadas flores, nas vestes
esvoaçantes em corpo escultural.
Existem, sim, os refolhos do mistério, que abrem suas portas
caprichosamente. Espécie de ser que desperta envolvido no líquido dos partos
recentes, mexe o corpo no exercício da existência e acostuma em si o primor das
possibilidades. Distende a silhueta enigmática num gesto harmonioso de incertos
passos e ombros se erguem à certeza.
O coração, por sua vez, amacia o impacto dos primeiros raios
sobre a superfície de cores vivas e deixa encrespar suas águas serenas, aquecendo
a pele na lúcida imagem do céu que contorna de ramagens verdes um nascer bem devagar,
e desperta feliz o dia de sol intenso.
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