sexta-feira, 30 de abril de 2021

Sons de carrilhão


Vindos de longe, lá de outras horas silenciosas, de quando a cidade transpirava cheio de incenso e mirra pelas calçadas das igrejas. Havia qual o que espécie de religiosidade pelo ar. Um respeito às normas das mãos de ferro dos costumes europeus trazidos nas malas dos portugueses. Bom, sem querer avaliar resultados que estão aí ao dispor de quem quiser, lembro desse tempo de padres e freiras, e colégios, e rituais, pedaços de memórias de quando criança, de quando íamos às missas, às bênçãos, ouvir os cânticos acompanhados de órgãos e rebatidos ao ribombar dos sinos.

Depois, diante da aceleração dos séculos sem fim, vieram os ecos da deusa Razão e tanto se modificou o quadrante dos costumes. As encíclicas dos papas, a missa que deixaria de ser rezada em latim, as práticas dos credos e das cerimônias, o texto das orações. Mas bem isso que marcou a percepção do movimento dos astros nas praças e nos templos.

Primeiros foram os filmes que chegavam toda semana, de que íamos logo na segunda-feira ver os cartazes dos lançamentos. Isso principiava de acontecer a ponto de mudar em quase tudo as minhas concepções antes firmadas em conceitos da religião católica. Fiquei à margem de tudo aqui de antes. Dos sacramentos que recebera com a família, das rezas que Tia Vanice ensinava a gente à noite na véspera de dormir. Os conselhos dos meus pais sempre calcados na formação religiosa trazida do berço.

E me jogaria de corpo inteiro no mundo profano, nas festas, nas farras, nos passeios, política clandestina, bebida, cigarro, ritmo alucinado de finais da década dos 60, com hippies, rock, Guerra do Vietnam, tantos e quantos chamamentos vadios, nas hordas do desespero de uma época alucinada.

Ouço, agora, lá distante, o badalar daqueles carrilhões de outros tempos, sonoros sinais dos momentos outros abafados pelos instintos de uma geração macerada no caldo grosso das consequências históricas. Acalmo por dentro e reavivo o clima dessas lutas internas que atravessei e ora obtenho a oportunidade rara de poder ouvir de novo, na alma, o vigor de uma fé que mora nos meus sentimentos de saudade que restaram intactos.

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