Das inúmeras ocorrências verificadas no decurso da Confederação do Equador, no Ceará, idos de 1824, episódio impressionante narrou Esperidião de Queiroz Lima, no livro Tempos heroicos, o que transmitimos aos que ainda não leram a publicação.
Trata-se da execução de um dos sentenciados
pelo tribunal militar conhecido por Comissão Matuta, no mês de outubro daquele
ano, instalado para punir as hostes rebeldes. Julgados e condenados, cinco líderes
republicanos seriam fuzilados no pátio da Cadeia Pública de Icó. Um desses,
Antônio de Oliveira Pluma, autodenominado Pau
Brasil, conforme sua assinatura no manifesto do movimento, insatisfeito com
o resultado a que se via submetido, reagiu em altos brados, protestando
misericórdia de quem ali se achava.
Recusara mesmo permanecer de pé, mas, sendo
assim, forçaram-no em cordas a se sentar numa cadeira, onde, com olhos
vendados, ainda pedia que o deixassem viver.
De nada lhe valeram as rogativas, pois logo em
seguida o pelotão recebeu a ordem de preparação:
- Apontar!
E, ante os disparos iminentes, o pânico pareceu
querer tomar a alma do condenado em face da morte inevitável, sob o monto de
todo o idealismo que até ali dominara os atos de sua razão da existência. Outra
vez, um gesto cresceu de sua voz, explodindo mais alto em reclamações de
amparo, lançadas aos planos superiores:
- Valei-me, Senhor do Bonfim!
Nisto foi secundado pelo toque de comando: -
Fogo!
Cessada a fumaceira, as balas achavam-se cravadas
no muro onde o revolucionário permanecera incólume, sacudindo de espanto os
presentes. Seguiu-se nova carga de munição. Restabeleceu-se a ordem
preparatória, e se fez no ar outro grito de socorro:
- Valei-me, Senhor do Bonfim!
- Fogo! - comandou a ordem marcial.
Resultado: o alvo manteve-se intacto. Os tiros
voltaram a ferir tão só e apenas o muro, para desânimo da escolta. Em meio do
inesperado, tonto, pálido, o comandante reclamava prática melhor de tiro a seus
homens, visando manter os praças no cumprimento do dever, tratando de retomar
as determinações da próxima tentativa, que foi precedida pelo mesmo grito do
condenado, tão pungente quando sincero:
- Valei-me, Senhor do Bonfim!
Os disparos se deram, de acordo com a
obediência. Desta vez Pluma fora atingido
por algumas balas, mas continuava vivo, segundo narra em seu livro Queiroz
Lima.
Soldados de pronto se movimentavam para um
quarto fogo. Nesse instante, a população presente, tocada de simpatia pelo
confederado, se ergueu coesa e exigiu o direito do réu ser libertado, qual
merecesse o valimento dos céus. Em seguida, essas pessoas levaram-no consigo,
alheado e preso à cadeira do martírio, até à Igreja do Senhor do Bonfim,
distante cerca de 200m do ponto onde a cena ocorrera, entre preces e benditos
fervorosos.
Há registros do ano de 184l que dão conta de que o sobrevivente veio a ser titular da Promotoria Pública da comarca de Baturité, no Ceará, o que bem comprova sua resistência aos ferimentos naquele dia recebidos, na tentativa de execução de que fora objeto e sobrevivera, no município de Icó, dezessete anos depois.
(Ilustração: Os fuzilamentos de 03 de maio, de Goya).
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