sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Esse eu de antigamente


Outro dia, passava na minha mente as presenças dos que insistem andar pelas ruas da cidade apesar do tempo transcorrido das suas histórias aqui, e que foram embora. Fossem ver de certeza, algo acontecera e lhes arrastar dali e que disso nem soubessem, ou não quisessem saber. Nisto, vejam só, entre aqueles também me avistei, mas noutra formulação, a carregar velhas angústias de ser lotado das apreensões lá no passado, desde impaciência de aguentar o que lhe acontecia, independente da minha vontade e dos poderes humanos da ocasião. Aquele seria, (quem sabe?), uma criatura diferente por demais do que hoje sou, nesse instante. Aquele nutria outras histórias, vindas, por certo, dos muitos livros lidos, filmes assistidos, pessoas, amores, saudades, ansiedades a todo o custo e um furor de habitar algum canto desse chão naquele eito.

Quis dele me aproximar, no entanto, sendo quase repelido, a não dizer ignorado. Vivia na própria pele pensamentos de Sartre, Camus, Hemingway, Kafka, Bergman, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo, Machado de Assis, um turbilhão de autores, diretores, dúvidas, personagens, incertezas mil espalhadas pelo vento em volta. Lá dentro dele, um ente raquítico, apreensivo, escondido nas sombras da infância, de afetos raros e interrogações exacerbadas.

Busquei, sem me achegar por demais, reviver o lado bom daquilo tudo, porém qual estrangeiro de mim mesmo, num outro que não mais fosse aquele ali. Sentar juntos, é cogitar, no entanto, de assuntos raros, nem de longe semelhantes aos que ambos pudessem contar então. Outras lendas, novos cenários, uma existência que de nada houvesse de haver entre eles dois.

Mesmo assim, hoje revivo a tal figura daqueles instantes arcaicos, suas vivências, contradições, desassossegos inúmeros, em forma de gente. No meio deles, o véu preto e branco da distância no tempo das duas gerações; duas criaturas exóticas. Ainda que tanto, o reconforto dos reencontros. Vozes vindas tais ecos de florestas imensas, desfeitas em névoa e sonhos. Ele, não mais este eu de hoje, contudo vagas sementes de esperança dalguma transformação no percurso, neste mundo tão vasto de interrogações e ruídos metálicos. E nisto, grata surpresa, em algum se admitem possíveis amigos, conquanto nenhuma outra alternativa viesse à tona naqueles instantes esquisitos de acreditar nos universos de dentro, além dessa igualdade avassaladora do que só agora somos.


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