sábado, 17 de junho de 2017

Marcas da felicidade

Ouvi, sim, no meio daquela noite, o tropel contundente de um carroção a percorrer o silêncio. Acordado de chofre, o som sacudiu meus ossos no estranho tocar de rodas do calçamento de pedra. Algo dizia que já ouvira antes o som do que passava. Tal fosse o emissário dos resultados destas vidas, tangido pelo homem idoso dos dias, conduziu consigo o animal de carga que arrastava o carro da justiça, na missão de recolher restos de infelicidade que ficaram no passado. Espécie de emissário do Eterno das gerações, responsável pelo que executava com determinação, levava no transporte escombros de tudo que restara, sonhos desfeitos e ilusões perdidas.


Dali adiante, saudades antigas não precisavam mais. Hora de mistérios vivos acendeu o céu do horizonte de lâminas intenso e puro brilho, claro forte da luz das estrelas na fria madrugada de junho. Adeus ao medo e à solidão. As incertezas doutras eras sumiram lá fora, na neblina que se desfez nos vastos limpos do dia. Foram secas as dores do parto da felicidade, disso testemunhavam. Depois de outro tempo, cicatrizes viraram só sinais de esperança e paz. Sabores de ausências desaparecem do íntimo, e a alma cresce pouco a pouco.

Aquele carroção das dores partidas percorria de volta o caminho do calvário e levava a bem longe tudo quanto o homem velho transformara nas idades de transformação e consciência.  Degrau por degrau, o antigo sofrimento palmilhara o curso de vencer a ignorância e aceitar ser feliz, dominar os instintos da matéria e revigorar as forças do coração reanimado.

Itinerário da beleza, reviveu o pleno direito de sonhar novas possibilidades, espécie de dever da natureza em amar quem sofreu, sinais de desmonte da espécie no lenitivo bom de tantos e em todo lugar. O tropel das incertas multidões agora simplesmente trescala festa e alegria, no sorriso doce dos que nascem de dentro da noite na graça da  viva Salvação. 

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