quarta-feira, 21 de junho de 2017

Homero Mesiara

Quantos caprichos guardam a memória, sabe Deus. Volta e meia, regressam à atualidade fragmentos do passado, querendo ganhar a pulso espaço nos dias atuais, espécie de cadeira cativa que, no sério, reclamam . E, o que é mais sério, conseguem se impor na maior desfaçatez.

Falar de Homero Mesiara exigiria, talvez, as páginas de um romance, qual dissera Carlos Ribeiro, dada a força de personagem que ele tão bem configurou, nos transatos baianos, sobretudo nos tempos soteropolitanos entre as décadas 60 e 70.

Nem sei dizer direito de que modo conheci Homero. Sei que morávamos na mesma rua Raul Drumond, no Loteamento Clemente Mariani, na Barra Avenida, próximo ao Cemitério dos Ingleses. A duas quadras um do outro, preenchíamos apartamentos. Eu e Márcia lhe visitamos nalgumas vezes. Ele ensinava Inglês, conversação. Lembro um poema de que gostava, de Pamela Moore, e declamava no sotaque britânico. Peguei algumas aulas dele. Conversamos de assuntos variados, alternativos. Também apreciava alimentação natural e literatura, qual a gente. 

Lá um dia, ao chegar no seu apartamento, avistei e matei uma barata, o suficiente a que merecesse reprimenda quase descompostura, pois, segundo alegava, tinha desrespeitado o recinto sagrado de seu lar. E que ali ninguém assassinava qualquer qualidade de inseto. Claro que aquilo mexeu comigo, visto lembrar até hoje, pois ainda insisto em eliminar esse bichos desnecessários, segundo acho.

Indicaria Homero Mesiara de professor a colega do Banco que estudava Inglês no sentido de prestar exame de curso na Universidade de Michigan, no Estados Unidos. Fez algumas aulas. Obteria sucesso no teste e passaria um ano fora do Brasil, aperfeiçoando conhecimentos para o trabalho. Mas antes de viajar eis que Homero seria detido numa batida policial no Alto das Pompas, no Rio Vermelho, manchete do dia seguinte nos jornais da Capital. 

E vejam só a boca quente em que me meti querendo auxiliar. Cedo logo, quando chego no trabalho, avistei uma roda de funcionários em volta da publicação, tendo Homero qual ator principal. Lógico que eu teria que explicar o caso do professor envolvido com dependentes de drogas que indicara ao colega, coisa e tal. Nunca passaria por inocente, ainda que justificasse que lá estava ele apenas no intuito de prestar serviço, a aplicar algumas injeções nos envolvidos, como quisera depois me convencer.

Em consulta recente ao Google, vim saber mais do paradeiro de Homero Mesiara através do site de Carlos Ribeiro, um jornalista baiano, que também o conhecera. Num texto do blog Apontamentos do Caleidoscópio (sob o título Uma pessoa tão normal), o mesmo Carlos Ribeiro assim escreveria: Lembrava-se de Homero Mesiara, uma figura insólita que conhecera em Itapuã, em meados dos anos 70, que, numa casa velha, na rua Guararapes, entre livros antigos, teias de aranha e chás macrobióticos, lhe dissera:

- Você também tem o Sinal de Caim. Daqueles que não poderão nunca viver com o rebanho. Daqueles que estão marcados para sempre pela solidão.

Dentre as buscas encontraria também: https://www.trt5.jus.br/.../28220_processos_para_eliminacao_2006_publicar_1_edital.p...Tambuc RDO: Homero Mesiara (Espólio De) //. 0032900-54.2006.5.05.0004 - N°Arq: 802681-A Vol.: 1 RTE: Rone Petison dos. Santos Lima RDO: Comercial ...

Antes de regressar ao Ceará, passados sete anos na Boa Terra, encontrei Homero junto de uma baiana do acarajé com quem fizera sociedade e transportava seus apetrechos no velho fusca que possuía. A sempre insólita figura; magro, alto, nariz grande adunco, de sorriso sarcástico plantado na boca e olhos grandes e gozadores. Era qual se a vida não lhe dissesse respeito, não fosse com ele; a vida e o mundo. Estava ali só de figurante, sem nenhuma responsabilidade diante de tudo o que viesse a acontecer em consequência dos desmandos e dos acontecimentos.

No passado mais remoto, possuíra uma escola revolucionária em Salvador, de que me falara algumas vezes, revivendo o pensamento de Anísio Teixeira, de quem se dizia seguidor com as ideias de transformação humana. 

Outro esparro que levaria dele foi quando presenciou rusgas entre eu e Márcia e me afirmou peremptoriamente não está a fim de acompanhar tais dramalhões de casal, muito menos tomar partido de quem quer que fosse. Era numa manhã de domingo, e ele viera pedir que fôssemos juntos, bem cedo, buscar seu carro, abandonando na noite em um trecho da Bahia – Feira de Santana, a dezenas de quilômetros de Salvador. Eram idos de 1975.

Vejam só, nesgas distantes ora chegam de longe na memória a contar de pessoa aparentemente secundária na trama oficial da história pessoal, no entanto figura emblemática de Salvador, naquele tempo. Tempos solitários, de aventureiros das estrelas jogados aos mangues da sobrevivência. 


Um comentário:

  1. Bom dia! Olhandoum texto de uma colega da UEFS sobre meditação e relaxamento como coisas revolucionárias eu ri e logo lembrei do meu professor de Educação Artistica do Colégio Pedro Calmon em Armação, Homero entre 1977 e 1979. Um cara bem além do seu tempo. Um vegano bem antes de se criar este termo e um cara que antes de qualquer atividade nos fazia relaxar. No inciioeramos reticentes mas com uma ou duas aulas nemprecisavamos de "comando". Já chegavamos na sala, tiravamosos tenis e sentavamos no canto e relaxavamos. Cada um no seu tempo. Muito obrigado por manter as lembranças da pessoa que ele era (ou é não sei). Só sei que ele é um daqueles que marcam nossas vidas para sempre.

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