segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Insistência


Era no tempo das chuvas. Fazia alguns meses que os dois noviços viajavam através das planuras exóticas da Índia. Desse jeito, cumpriam à risca os votos de piedade admitidos perante o Mestre. Para sobreviver, haveriam de esmolar no exercício da firme devoção. Conversar entre si e com os outros, quase nada; tão só austeridade, o imprescindível, nas horas de caminhada; leis de religião.

Uma manhã, quando chegavam às margens de um rio caudaloso, viram bela jovem querendo cruzar as águas tormentosas que desciam das montanhas, todavia sem coragem suficiente de realizar o propósito.

Perante aquilo, atencioso, um dos noviços se dispôs a prestar-lhe auxílio, carregando-a nos braços até a outra margem. De imediato, com isso mereceu do parceiro reprimenda cuidadosa, porquanto os preceitos restringiam aos monges maior aproximação do corpo feminino, analisava contrito e zeloso.

Vista a momentânea necessidade da moça, no entanto, o religioso insistira em ser útil, dispondo-se a levá-la consigo, fazendo-o apenas de maneira prudente, nos moldes das ações solidárias.
Vencida a correnteza, eles dois se despediram da jovem agradecida e seguiram a piedosa jornada de antes.

Horas depois daquela cena à beira d’água e o outro noviço, de calado que se mostrava, carrancudo retornou ao assunto de aproximar o corpo do das mulheres.

- Tu agiste de jeito equivocado – disse. - Um devoto cumpridor dos deveres jamais caberia no papel mundano que desempenhaste. Sabes bem que se torna impuro quem trabalha em desacordo com os cânones – externava indócil a indignação de horas atrás.

Absorto nas meditações de ofício, ouvia o devoto silencioso a censura, querendo, contudo, tirar por menos, e logo se justificava o tanto que conseguia. Disse haver laborado sem quaisquer intenções malévolas, além do que se protegera ao máximo das idéias pecaminosas. Nada de ruim acontecera consigo, portanto, no que pesasse os riscos previstos.

Volta e meia, o outro repisava a conversa:

- As oportunidades se apresentam no caminho a fim de podermos distinguir o que manda e o que não manda a Lei. Fiques, pois, sabendo que nunca deverias fazer como fizeste.

No que considerassem as reações cautelosas do acusado, repetiam-se admoestações...

Quase ao pôr-do-sol, de saco cheio com a impertinência do companheiro da estrada, o noviço resolveu cortar pelo tronco a história que ia longe demais.

- A jovem que transportei no rio saiu de minha cabeça naquela hora em que desceu dos meus braços – asseverou veemente. - De tua parte, porém, deu-se o contrário, e ainda agora vens com ela no pensamento. A prosseguir na insistência, vou deduzir o quanto desejarias tê-la estreitado em teu próprio corpo, creio eu – concluindo de todo a lição.

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