terça-feira, 18 de abril de 2023

O medo de ser ninguém


Tudo acontece como se meu combate espiritual se passasse em uma clareira. Penetro na floresta, nada encontro, e a fraqueza logo me força a sair de lá; frequentemente, quando deixo a floresta, ouço, ou creio ouvir, os cliques de armas usadas em uma guerra.
Frank Kafka

Isso é o que lhes assusta, fugir de si e jamais regressar ao mesmo lugar. Andar nos pontilhões da própria sorte qual quem se nunca lá houvesse estado. Padecer do mal crônico de ignorar desde quando, quando e até quando constituir esses espasmos em frio movimento diante dos dias que escorrem pelas veias sem nada dizer que justifique andar aqui e existir. Espécies de fantasmas em prontidão constante, à busca de assustar alguém que esteja também aguardando o momento de, lá adiante, desaparecer em um mar de fantasias, quais criaturas que seguem solertes o drama desta interrogação que nem elas mesmas produziram a cada instante, nas páginas do Infinito. Quem, qual, ninguém?! ... Que sejam tais e mergulhem no silêncio e se desfaçam nas madrugadas escuras à busca dos alaridos que lhes despertem dos novos sonos que vêm. Isto de ser assim e esconder de tantos iguais a frieza das horas em ação inevitável. Nós, autores, pois, de ficções ausentes que anestesiam os espectros, feitos de carne, sem a força de ainda compreender sua origem dentre os mortos, vivos, mortos, que foram...

Bom, tal seria o início das longas aventuras dos que chegam minuto a minuto pela crosta do firmamento, que, nalgumas vezes, achavam enxergar, ao longo da História, o que sucederia e padecem da necessidade urgente de novos analgésicos da Natureza que escondam essa dor de ser, mas sem compreender quem; aonde ir e como regressar donde vieram, o destino. Na força inconteste desse jeito silencioso das multidões, incorremos pelas memórias do Paraíso, que insistem voltar e querer morar conosco às sombras da floresta escura de onde queremos sair, dizer, fazer, esconder, padecer, simular e sumir, arautos de lembranças acondicionadas às bordas dos abismos profundos de tudo quanto desconhecemos e habita nas almas, tais folhas secas deste sonho miraculoso de viver.

(Ilustração: Francisco de Goya (reprodução).


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