quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Abismo do Tempo


Fruto das indiferenças ou dos descasos, agem os humanos feitos quem ignora as partilhas que o Tempo fará dele e dessas pequenas criaturas. Numa divisão igual e justa, reserva surpresas mil aos elementos que circulam soltos, espécie de corrosivo químico que espalha no lençol das existências o horizonte dos bens aparentemente definitivos e retira só a parte essencial, reagente poderoso ao extremo, sem apelação ou tremor. Ao langor do Sol em movimento, dias significam esses leilões de valores que representam a melhor parte, e larga no laboratório da natureza o que sobra, triturador emérito e solvente universal.


Quantos querem que não seja assim?! Talvez a maioria dos incautos que dançam à borda do abismo onde, sob a luz das interrogações, habita o rei devorador das vaidades humanas, ser imbatível, fera descomunal e faminta, ordenadora das vidas e senhor das circunstâncias. Nem dormir ele dorme, o Tempo, perante escuros e madrugadas, e no calor intenso dos dias. Reina, por conseguinte, sobre os seres, à beira constante da cidadela inadiável; o Tempo rei.

Muito mais a falar do mistério que circula o cinturão das histórias e diverge dos caprichos, das personagens e dos impérios. Ninguém, entretanto, reserva, quem sabe?, o amor dos sonhos a nutrir nessa criatura abstrata tamanha envergadura, o respeito à fronteira entre o sólido e o gasoso, drama das horas mortas e senhor absoluto das tantas vidas. Morigerado ator das maravilhas, passeia de nosso lado, rege a orquestra dos pensamentos, administra sentimentos e ri das ilusões que envolvem as névoas dos desejos e das desventuras.

Longe, infinito, lá nas montanhas de cumes inalcançáveis, ali moram os gnomos que sustentam esse portal de experiências e oportunidades; mantêm as determinações e os limites do Senhor; e apenas observam, de olhos lavados, as preocupações dos pequenos insetos que experimentam o nascer das esperanças de, um belo dia, aceitar de bom grado viver para sempre ao sabor das sombras que passam à procura do Invisível.

(Ilustração: Foto de Emerson Monteiro).

Um comentário:

  1. O tempo nada muda, o que muda são as circunstâncias, os fatos, as decisões e escolhas por aquelas pessoas escolhem viver determinado estilo de vida. Cada um sabe o tamanho da cruz que carrega e o que melhor lhe convém. Talvez neste campo seja necessário um tempo para que as decisões tomadas não tragam transtornos as pessoas envolvidas. Muito bom seu texto, como sempre. Gosto muito também quando você recorre as metáforas para compor seu texto. Quanto ao amor dos sonhos, o próprio fato já se auto define, é o amor dos sonhos, e como tal preenche a vida daquelas vidas vazias, mas torna a pessoa mais feliz. Sonhar não faz mal. Parabéns pelo seu texto, amei. Um carinhoso abraço ao meu Escritor predileto e amigo Emerson Monteiro.

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