terça-feira, 10 de dezembro de 2013

As histórias de meu avô

Um provérbio africano diz que: Quando alguém morre se fecha uma biblioteca. Isso lembra as palavras de D. Violeta Arraes, no prefácio de meu livro Cinema de janela, de que: Todo ser humano é um ser de cultura.

Meus avós paternos moraram longo tempo no Tatu, herdeiros, ele e minha avó, da propriedade onde vivera Fideralina Augusto. Na década de 60, se transferiram a Crato, fixados na residência bem vizinha de nossa casa, no bairro Pinto Madeira.


Durante as horas vagas de estudos e brincadeiras, lá ia eu passar alguns instantes junto deles. Sentados num espaço que havia entre os dormitórios e a sala de jantar, permanecíamos, horas e horas, em conversas. Contava lá suas histórias, desfiava repertório das tradições que lhe acompanhavam, recolhidos períodos inteiros da infância, mocidade, idade adulta; aprendiz de farmacêutico, vendedor de tecido nas feiras dos brejos da Paraíba, inda a Fortaleza; queda dos Accioly;  Lavras da Mangabeira, conhecendo minha avó, sua prima legítima; o casamento; mandato de vereador; as brigas dos Augustos; a Revolução de 30; lembranças do sítio; viagens que fizera; Caruaru; Rio de Janeiro; mais e mais.


Eu ouvia silencioso, ligado naquelas experiências, época de minhas primeiras leituras dos livros de contos, o que tanto aprecio, longe de televisão e outros chamamentos posteriores. Aquelas narrativas as repetia com cotidianamente, qual preservasse mínimos detalhes, no exercício de mantê-las bem acesas nos becos internos da memória. Era motivo de satisfação privar dos tais momentos mágicos – enquanto minha avó executava os afazeres da casa e ele percorria reverente o itinerário da existência inteira.


Adiante, nos finais dos anos 60, morreria. Hoje revejo, nas telas da saudade, sua presença austera que me marcara o sentimento, rosto firme, forjado nas experiências reais que transmitia. Num dos lados da testa, amplo sinal de sangue, consequência de acidente de motocicleta. Rugas, que mostrava a personalidade forte, voluntariosa e sincera, às vezes rude, reflexo de alma altiva, temperada na luta.



Décadas transcorridas, eu tomaria gosto pela escrita, e, então, as histórias que meu avô contava aos poucos voltaram a ganhar corpo nas vivências atuais, e pude compreender a finalidade daquilo tudo, o gosto sistemático que debulhava em nossos encontros ocasionais.    

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