sábado, 20 de fevereiro de 2016

Os livros e eu

Estudávamos (eu e meus dois irmãos mais velhos, Everardo e Lydia) no Grupo Escolar Dom Quintino, próximo de nossa casa no Bairro Pinto Madeira, em Crato, aí pelos fins dos anos 50. Eles, de manhã. Eu, de tarde. 

Lá um dia, quando, no educandário, resolveram inaugurar biblioteca para uso dos alunos, cada qual pegou um livro, daqueles livrinhos capa azul da Editora Melhoramentos, uma coleção que trazia 100 títulos diferentes. Trouxeram consigo, e chegaram perto da hora do almoço, quando as aulas terminavam e logo em seguida começariam as minhas.

Já conhecia de perto cordéis da nossa literatura popular, que os operários de meu pai compravam nas feiras da segunda; liam durante a semana e eu solicitava, formando coleção que durou longo tempo na infância. Mas livros mesmos com as características que têm, cores, formato, figuras, variedades, que lembro, só naquele dia manuseei, e com esforço, pelo desejo dos irmãos quererem ver primeiro. 

Resultado: pronto de ir às aulas, fiquei preso no interesse de conhecer mais de perto os tais exemplares, fascinado, digamos melhor. Logo depois do almoço, aquilo mexendo com meu afeto, e eu terminaria apanhando para ir à escola, o que nunca acontecera antes; espécie de paixão arrebatadora me tomara, naquele dia. Semelhante, talvez, ao que contam dos namoros proibidos, escondidos, aperreados. 

E corri vida afora com o mesmo frisson quanto aos livros, paixão arrebatadora a ponto de meus turismos significarem, no ponto máximo, as visitas às livrarias, e contar como certo recolher livros que nutrem o tempo. 

Bom, mas quero agora situar essa história, e dizer dos autores que vêm fazendo minha cabeça nesse meio século depois daquela vez de amor à primeira vista pelos livros. 

De cara afirmo que todo livro guarda em si profundo mistério nos corredores das páginas. Nenhum livro é desprezível, porquanto se não atender a uns atenderá a outros, por serem os autores e leitores cumplices no ato fortuito da escrita. Todo livro possui a razão de existir e chegar às mãos de quem ler com sofreguidão. 

Desconheço de mim sem um livro nas proximidades. Li e leio autores os mais díspares, desde Malba Tahan a Jean-Paul Sartre; contos das Mil e Um Noites a Ray Brudbury; Voltaire a Camus; Érico Veríssimo; Jorge Amado; Machado de Assis; Manoel Bandeira; Jáder de Carvalho; José de Alencar; Stanislaw Ponte Preta; Chico Xavier; os livros espíritas, com quem estabeleci uma relação de exclusividade de 11 anos sucessivos, no decorrer desse tempo; Rubem Alves; contos zen, sufi, taoístas; literatura regional do Cariri cearense, que me agrada sobremodo: J. de Figueiredo Filho, José Carvalho, Irineu Pinheiro, Padre Vieira, Lindemberg de Aquino, Padre Antônio Gomes de Araújo, Otacílio Macedo, Flávio Morais, Jurandy Temóteo, José Flávio Pinheiro Vieira e outros mais, bons  autores, familiares, fortes, telúricos, pródigos em amor à cultura do interior e sua história inesquecível; os livros dos escritores anônimos, que escrevem pelo gosto de contar histórias que se perderiam caso eles não existissem, sendo, pois, a base da grande literatura universal de todas as épocas, os autores da província; os contistas magistrais desse gênero que veio morar comigo nos meus rincões literários: Guy de Maupassant, Anton Tchecov, O. Henry, Eskine Caldwell, Edgard Allan Poe, Saki, Rabindranath Tagore; contos chineses, árabes, russos; a literatura raiz dos povos; os clássicos; filósofos de todo gênero; Carl G. Jung; Viktor Frankl; Ernest Hemingway; Kafka; livros religiosos, místicos; a Bíblia, que mais do que apenas um livro é uma biblioteca inteira, de surpresas inimagináveis ao conhecimento da Verdade e do Amor; o Tao-Té King; o Baghavad Gita; tudo num tanto de viver intensamente a doce e quente paixão que me arrebata desde o primeiro dia que nos conhecemos. 

A leitura é transação extasiante, ilimitada, enriquecedora, oceânica. O livro é amigo incondicional de quem aprecia as letras. E feliz de quem descobre o mistério dos livros, esses companheiros fiéis de vidas inteiras.

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