domingo, 8 de março de 2015

O sangue dos pobres

Consta da relação dos fenômenos extraordinários atribuídos a São Benedito, o Mouro, santo católico de origem árabe, que quando administrava a cozinha do Convento dos Capuchinhos onde morava, e após a ceia dos monges eremitas, sempre oferecia aos desvalidos que habitavam as comunidades próximas uma sopa noturna por demais substanciosa. Famintos, eles saciariam a fome diante da boa vontade daquela refeição caritativa, aclamando o corpo para chegar vivos ao dia seguinte. 

O meio que religioso utilizava era o de reaproveitar as sobras que ficavam da preparação dos alimentos principais dos religiosos, restos de verdura, gorduras de carnes, caldos de fervuras, substâncias que de comum seriam jogadas fora. 

Os noviços responsáveis pelas rotinas do estabelecimento, no entanto, nutriam pouca disposição de, além dos afazeres regulares, ainda pegar as migalhas dispensadas dos alimentos para constituir a sopa dos necessitados, e com isso dificultavam a mais não poder o trabalho que resultaria no sustento da longa fila andrajosa dos mendigos.

Diante daqueles modos indiferentes, São Benedito repetia com insistência que eles, os auxiliares, estariam abandonando no lixo o sangue dos seus pobres. Inúmeras vezes aconteciam esses conselhos sem significar, contudo, manifestações que produzissem os devidos frutos.

Até que, belo dia, o frade, utilizando a estopa de limpeza do balcão onde preparavam os pratos, nela recolheria os mantimentos que já iam a caminho da lixeira e, em seguida, com força, espremeu o tecido às vistas de todos em volta, reafirmando o sempre dissera:

- Meus irmãos, vejam, na verdade, que o que fazem é derramar o sangue dos pobres – e na mesma hora escorreu sobre a bancada mais puro e expressivo sangue humano, razão de espanto dos presentes, passando ser essa uma das ocorrências somadas ao mérito da canonização do santo virtuoso.   

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